Girassóis


Ana Helena Reis

A convivência com o mundo corporativo me deu oportunidade, ao longo dos anos, de vivenciar situações hilárias e conhecer um pouco mais os desvios de conduta, os egocentrismos e a tirania que o poder, às vezes, permite trazer à tona.
Um exemplo disso foi esse episódio insano que presenciei.

O diretor presidente de uma renomada empresa, teve a ideia de oferecer um vaso de flores para ornamentar a mesa de cada membro da equipe. Nada contra - presentear com flores é um hábito que data do antigo Egito e faz parte da nossa cultura até dias de hoje.

Cada flor carrega um significado simbólico. Rosas vermelhas significam amor; margaridas simbolizam inocência; já a flor de girassol, segundo a cultura popular, traz felicidade, calor, lealdade, entusiasmo e vitalidade. Acredita-se que, quando colocada em um ambiente, traz sorte e boas vibrações, sendo muito usada no Feng Shui, pois possui características do Sol.

Adepto a essa filosofia, ele escolheu a flor do girassol para compor os vasinhos. Fez inicialmente uma explanação a respeito dos benefícios que ela traria ao ambiente, dos fluidos positivos que emanaria, do entusiasmo que os tons amarelos irradiariam, tornando o trabalho de todos muito mais eficiente e prazeroso.

Silêncio sepulcral na sala, aguardando a continuidade desse discurso, um tanto esdrúxulo para alguém que normalmente iniciava a conversa com descomposturas generalizadas.

Sem mais delongas, os vasinhos recém plantados foram cuidadosamente colocados pelo chefe em cada mesa, depois de uma análise da posição em que deveriam ficar. Para escolher a face para a qual a flor deveria se desenvolver, o diretor seguia rigorosamente a natureza da planta enquanto explicava:
— O Helianthus annus, possui a particularidade de ser heliotrópico, ou seja, gira o caule, posicionando a flor na direção do sol durante a fase de amadurecimento. É importante que os vasos permaneçam na posição em que estou colocando, entenderam?

Finda a distribuição, olhou orgulhoso para a sala com ares dos campos de girassóis da Toscana, respirou fundo e, balançando os guizos que trazia no pulso, como fazia normalmente para pedir silêncio e atenção, impostou a voz e soltou o verbo:
— Hoje vocês estão recebendo um vaso de flores que, muito mais do que ornamentar suas mesas de trabalho, tem a função de emanar fluídos positivos para a organização. Para isso, os girassóis foram posicionados em direção ao sol, e seus caules vão se desenvolver nessa rotação. Se devidamente regados e alimentados, terão vida longa. Com o que vamos alimentá-los? Com muito entusiasmo no trabalho, criatividade, dedicação e lealdade.

Todos se entreolharam. Conhecendo o chefe, sabiam que dali vinha alguma coisa sinistra. O que estaria por trás dessa ideia de tornar a sala um jardim? Era a pergunta que todos se faziam, enquanto aguardavam a segunda parte do discurso.
Depois um minuto de silencio para olhar nos olhos de cada um como forma de intimidá-los, continuou:
— Cuidar do seu girassol passa a ser, de hoje em diante, uma obrigação corporativa. Isso porque se o talo da planta deixa de crescer, o girassol ficará parado em direção ao oriente até morrer. Esse será um balizador claro para mim de quem deve e de quem não deve permanecer na equipe. Quando entrar nessa sala de manhã, quero ver todos os girassóis crescendo e voltados para o sol. Entendido?

Virou as costas e se dirigiu para sua sala envidraçada. De lá pode enxergar todos os vasinhos voltados em sua direção.

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