Campo-Santo


Rachel Baccarini

Campo-Santo

Finda um cinza e trágico dia na colina
Minhas raízes se alimentam dos restos póstumos
As folhas se soltam, ameaçam voo e caem no solo
Tentando encobertar as vítimas da nova praga
Alguém chora apoiado no meu tronco e reza
Pede a Deus saúde e forças, sem acanhamento algum
Mas não se engane, amigo, nem tenha esperança
Vem mais um

A noite, mais escura que a morte
Não esconde o febril movimento sob o humus
No oco da terra, nas galerias remexidas e fofas
Nesse mundo do Hades, sem luz e sem volta
Nossas bocas ávidas e famintas esperam os próximos
Sabendo que, nesses dias, não teremos jejum
Carregado pelos passos de gente lenta e vencida
Vem mais um

A alvorada não traz mais boas novas
Só o que ela traz é o espólio de luta inútil
Meu metal cava, voraz, o campo-santo
Busca o fundo, para que não escape humores nocivos
É preciso encobrir o drama, o vexame. Extraio a terra
Mas não se iluda, parar não posso, não há mais tempo nenhum
Somos muitos a lidar dia e noite no solo, porque
Vem mais um

O sol vai alto e o suor do trabalho embaça minha vista
Preparo o descanso para muitos que se foram
Na minha casa, a família espera o trocado
Fruto dessa labuta sem fim e sem folga
Por dentro, eu choro perplexo e assustado
Mas sou apenas um homem perdido, comum
Com as mãos sujas de terra e de morte, eu cavo, pois
Vem mais um



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Rachel Baccarini

E-mail: rachelbaccarini@hotmail.com

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