Visita Médica

Soraia Schmidt

Visita médica
Soraia Schmidt
Era uma manhã fria e chuvosa de um outono que se anunciava mais cedo no ano de 1982. A missão era fazer uma visita domiciliar, para a disciplina de Acompanhamento de Família. Já no nos primeiros semestres do curso de Medicina da UFRGS os alunos eram colocados em contato com as comunidades e a realidade social, a partir dos atendimentos realizados na unidade básica de saúde.
Eu, nascida numa cidade de 3000 habitantes, não conhecia o que era uma vila de cidade grande. Só de ouvir falar, da pobreza e violência.
A primeira visita foi naquela manhã de sábado. E lá fui eu, temerosa, mas resoluta, imbuída do senso de responsabilidade de cumprir a tarefa dada (soube depois, que muitos dos meus caros colegas nunca foram e tiveram a cara de pau de inventar as histórias, se achando o máximo pela esperteza).
Mesmo morando longe dos meus pais desde os 14 anos, aos 18 e na condição da vulnerabilidade do sexo feminino, eu não me sentia preparada para desbravar, sozinha, o inusitado desconhecido e assustador ambiente de uma vila de Porto Alegre. Saí de casa às oito horas e após o percurso de ônibus, fui trilhando, entre valetas e casebres, as estreitas ruelas de chão batido. Estavam vazias, até de cachorros. Afinal, numa hora e dia daqueles quem não estaria dormindo? Por sorte, pensei, também os bandidos.
Vestida de jaleco branco (pra impor respeito), guarda chuvas e muito medo, cheguei na casa da “minha família” às 10 horas. Bati e aguardei alguns minutos. A porta se abriu e vi a mãe, com um largo sorriso, e as filhas entrelaçadas em suas pernas. Todas de chambre, recém acordadas.
Nunca mais esqueci daquele momento. Eu, do lado de fora, na chuva, inundada em corpo e alma, não sei de frio ou medo, e a quentura que emanava da casa. Me ofertaram um lugar à mesa posta, com pão, geleias e Nescafé.
O fato foi que, a diagnosticada e tratada fui eu. Saudades e abstinência de mãe.
Afinal, eu era só uma adolescente.

deixe um recado | voltar