Chelsea Hotel


Aline Peterson

A estrada sempre foi minha companheira. Já nos conhecemos há tanto tempo que eu me sinto à vontade para percorrê-la. Na maioria das vezes, o destino é o que menos importa, o que criara em mim, ao longo dos anos, a imensa e aprazível sensação de liberdade.

Estou sempre preparado para viajar. Essa manhã não foi diferente: enchi o tanque, arrumei a mochila só com o essencial. Adoro fazer essas viagens curtas de fim de semana. Me agrada muito ir a novos lugares e respirar o ar desconhecido que eles me oferecem. Volto dessas viagens sempre renovado, remendado de minha rotina fastidiosa. No banco do carona, sempre um companheiro novo. Ali já estiveram Neal Cassady, Gary Snyder, Patti Smith. Dessa vez, é Jack Kerouac que me acompanha. Comecei a ler On The Road ontem, e estou enlouquecido, frenético tal qual a escrita de Kerouac. A liberdade que brota desse livro me eleva a um nível que eu não saberia colocar em palavras. Queria eu estar também em uma viagem com Dean Moriarty, deixando todo o passado e o futuro para trás, para usufruir do doce e o do amargo de cada momento do presente, única verdade que de fato possuímos.

Ficarei lá pouco tempo, eu sei, mas meu divertimento já iniciará quando eu entrar no carro. O prazer de percorrer as estradas das cidades que me levam ao meu destino é sempre imensamente maior do que o prazer de chegar lá. Pego, enfim, a estrada. Decidi sair na sexta depois do trabalho, pois estou mais acostumado com a estrada à noite. Mais do que isso: eu gosto de estar com ela na escuridão, gosto da sensação de imensidão e do desconhecido que ela me traz. Posso percorrê-la por horas a fio sem cansar; sua companhia, pelo contrário, me reanima.

Depois de andar por algumas horas pela via deserta, avisto ao longe o que parece ser um hotel. Já havia passado por ali durante uma e outra viagem, mas não me recordo desse lugar. Conforme me aproximo, sinto o cheiro estranho e tentador de uma bebida adocicada. Quanto mais sinto seu cheiro, maior se torna a necessidade de entrar no local. Minha cabeça fica pesada e minha visão começa a me enganar. Eu tenho que parar ali. Estaciono o carro em frente ao hotel, desço e avisto uma bela mulher com um lindo vestido preto. Seus cabelos eram longos e negros; seus olhos, inquisidores. No entanto, seu olhar é tão convidativo que ela não precisa usar das palavras para me convidar a entrar. Ela segura um pequeno candelabro e percorre os corredores a minha frente enquanto eu me deixo ficar deslumbrado com o cenário etéreo no qual aos poucos me perco.

Chegamos a uma sala onde há um grande balcão com bancos altos com acentos de veludo vermelho escuro. Um sofá longo e confortável fica bem em frente a porta por onde entramos, e espalhadas pela sala, há poltronas faustosas. Nelas, homens importantes sentam e são rodeados de belas mulheres, todas com seus vestidos longos e luxuosos. Aqui é o paraíso, penso eu. Atônito com aquela visão, não me dou conta de que a bela mulher que me acompanhou até aqui já não está mais ao meu lado. Percebo, então, que outra mulher vem em minha direção, me oferece uma bebida forte e saborosa, e então reconheço, pelo cheiro, que foi a bebida a qual me guiou até aqui. Enquanto meu corpo a recebe, meus sentidos aos poucos se tornam entorpecidos, meus olhos, enfraquecidos. Sento-me em uma das poltronas. Ouço conversas sobre os mais variados assuntos, histórias sórdidas e outras nem tanto assim.

De repente, sinto como se tivessem passado horas desde que cheguei ao hotel. Vou perder minha viagem, penso. Enfraquecido pela bebida e tonto com o forte cheiro de cigarro que envolve o ambiente, me levanto. Saio pela mesma porta que entrei e constato que o ambiente me parece muito diferente de antes. Caminho pelos corredores pouco iluminados, em uma tentativa sem sucesso de chegar à porta que me levaria a saída. Percorro os mais longos corredores que não me levavam a lugar algum. Nem a sala onde havia todas aquelas pessoas eu consigo encontrar. Parece que elas nunca estiveram ali, e que eu estou sozinho no meio do nada. Consumido pelo cansaço, paro em um corredor e pressinto a presença de alguém. Ao olhar discretamente para o lado, percebo que um velho muito magro me olha com diligência. Você está procurando a saída, meu rapaz? Sim, respondo, com um alívio desconfiado. A porta de entrada que te trouxe até aqui já não existe, pelo menos não para você. Por ela você não poderá sair; nem por lugar algum, pois não existe saída. Nós somos prisioneiros aqui.

Há poucos metros, no penhasco da curva que levava ao hotel, permanecia meu carro. Foi minha última viagem.

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