Children of the Grave


Aline Peterson

Todas as tardes, logo que chegava da escola faminto e devorava o almoço que sempre me aguardava, corria para a rua para brincar com meus amigos. Eram tardes maravilhosas de sol preenchidas com gargalhadas que ecoavam pelo vento fresco que abraçavam nossas brincadeiras. Havia algo, no entanto, que mamãe não sabia: o lugar onde brincávamos era o cemitério que ficava atrás da praça principal do bairro, onde ela achava que meus amigos e eu brincávamos. Passava quase todas as minhas tardes no cemitério. Não sentia medo, mas minha mãe era um tanto supersticiosa e não gostaria nada se soubesse. Mesmo quando alguém morria e éramos forçados a ir até lá, para ela era um tormento. Vivia contando histórias: uma delas, a que mais gostava de contar, provavelmente para me deixar longe do lugar, era a da vez que crianças, que brincavam lá escondidas dos pais, caíram no penhasco onde termina o cemitério. De fato, do penhasco eu tinha medo, nem mesmo chegava perto dele, portanto, não havia o que temer. Sempre que dava cinco da tarde, corria pra casa, pois era o horário combinado e não podia me atrasar, correndo o risco de minha mãe ir ao meu encontro na praça. As outras crianças ficavam ainda; talvez as suas mães não fossem supersticiosas como a minha.

Houve uma tarde, no final do outono, em um dia que não era frio, de fato, mas que fora tomada de um vento azucrinante que até me fez pensar em ficar em casa. Mas eu não era disso. Brincávamos todas as tardes e era muito divertido, além do mais, minha mãe me avisara que ficaria até mais tarde no trabalho, e isso me dava mais tempo para brincar. Brincamos de Cinco Marias, enquanto cantávamos cantigas antigas que eu aprendi com eles. Também brincamos de Pique Esconde, nos escondendo atrás das tumbas e entrando dentro dos jazigos fragmentados pelo tempo. Após algumas horas de brincadeira, o vento começou a ficar mais forte. A noite também começara a cair e já chegava perto da hora de eu voltar para casa. Levantei-me, despedi-me dos meus amigos e saí em direção ao grande portão de ferro enferrujado do cemitério. O vento, entretanto, estava forte demais e eu começara a ficar amedrontado. Resolvi sentar em uma das tumbas que ficavam atrás de uma grande árvore, para me proteger do vento que já me ensurdecia. Depois de longos instantes, o vento diminuiu e pude ouvir as risadas das crianças novamente. Ao olhar para trás, surpreso, vi seus corpos, agora etéreos, imateriais, passando pelos seus sepulcros, caminhando em direção a sua moradia: o penhasco que dava fim ao cemitério.

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