Trem das Onze


Aline Peterson

Valeriu estava como que preso a sua cama, sem conseguir se mover. Havia alguns meses desde a última vez que sentira isso, mas a sensação da paralisia do sono continuava horripilante. Olhando para o lado, percebeu uma presença sufocante, muito perto dele. O frio da noite fazia com que ele pudesse ver a respiração da figura que acompanhava seu sono. Não conseguia ver seu rosto, já que a figura não o olhava, mas podia ver que era uma senhora, vestida de vermelho, que observava fixamente alguma coisa a sua frente. Um segundo depois, quando conseguiu se mexer, a mulher havia desaparecido. Ao levantar-se, podia sentir o medo esvair-se e dar lugar a sensação de alívio.

Aquele era um domingo significativo na vida de Valeriu, mais do que sua mente eufórica podia imaginar. Ele prometera que visitaria sua namorada em Brasov, que ficava a cerca de três horas de onde morava, a cidade de Bucareste. Conhecera Lana em um pequeno bar na sua cidade há dois meses, e desde então não deixavam de se ver nem mesmo por um final de semana. Pegaria o trem em uma hora. Tomou seu café, preparado por sua mãe, com quem morava desde sempre, há 22 anos. Logo após, despediu-se dela, que lhe deu um beijo na testa e implorou pela décima vez que tomasse cuidado e que não chegasse tão tarde.

A viagem a Brasov foi tranquila e confortável. Sempre levava um livro para que o tempo passasse mais rápido. Talvez pelo local onde morava, era fascinado por qualquer literatura que falasse sobre vampiros. Lia agora algumas crônicas vampirescas de Anne Rice, que traziam como protagonista Lestat, seu segundo vampiro favorito. Sua fome de viver e seu comportamento social intenso, desafiando o código do silêncio e as leis vampíricas de não aparecer em público, faziam dele o vampiro mais enigmático e atraente da história.

Ao chegar em Brasov, Lana o esperava na estação, e dali foram passear pela cidade. Valeriu adorava caminhar pelo centro histórico e apreciar a construção medieval do lugar. Na Praça central, almoçaram no Cerbul Carpatin, visitaram a Igreja Negra, uma enorme igreja gótica construída entre 1385 e 1477, e o Museu de História de Brasov. Esgotados pelo longo dia, mas contentes por tê-lo passado juntos, Valeriu acompanhou Lana até a casa de seus pais. Ficou pra jantar. A família de Lana era muito hospitaleira e adorava conversar e contar histórias. Ele adorava ouvi-las e ficava deslumbrado com as lendas antigas que circundavam o lugar, preenchendo o ambiente com o obsoleto mistério, vencido pelo tempo e pela incredulidade da vida moderna. No entanto, já era tarde e ele precisava ir embora, o último trem sairia às onze. Despediu-se e saiu. A noite era envolvente e ele desfrutava dela enquanto caminhava até a estação, que estava praticamente vazia, exceto por alguns grupos de jovens embriagados que voltavam dos bares. Procurou um vagão vazio para que pudesse voltar à leitura. Continuava fascinado por Lestat e pelas crônicas de Anne Rice. Estava especialmente preso em uma passagem que dizia: “Lembre-se sempre, que nada é tão precioso para nós como o magnífico dom da vida. Deixe a lua e as estrelas sempre lembrá-la disto: que apesar de sermos criaturas minúsculas neste universo, estamos cheios de vida.” Nesse instante, Valeriu sentiu uma presença no vagão, ao mesmo tempo que, por algum motivo, as luzes se foram. E, com os olhos inebriados e com uma intensa sensação de medo, a mesma daquela manhã, ele sentiu alguém ou algo o tocar, gelado e implacável. Depois, não sentiu mais nada.

Em Bucareste, uma senhora de vermelho, imersa em suas preocupações e olhando fixamente para o relógio a sua frente, espera por seu filho.

deixe um recado | voltar

E-mail:

Pageviews desde agosto de 2020:

Site desenvolvido pela Plataforma Online de Formação de Escritores