A chaleira


Cris

Na casa do meu avô sempre tinha uma chaleira com água esquentando no fogão. Logo pela manhã, ela era usada para o café. O líquido quente, em contato com o pó escuro, oferecia o aroma de todas as manhãs. Quando já estávamos servidos e prontos para ir para a escola, o vô completava novamente com água e a chaleira estava pronta, aguardando o momento em que voltaria a servir, com o líquido do seu interior fervendo, dessa vez para auxiliar na comida, que ele gostava de preparar desde cedo.

Íamos para o colégio e quando voltávamos, a mesa estava posta, pratos servidos, almoço pronto para ser degustado. E ela, a chaleira, ali, a postos, com a água até o bico, em ponto de ebulição, aguardando o momento certo para entrar em ação, quando a louça suja seria depositada na pia e ela encerraria o seu primeiro turno de expediente, despejando o líquido quente sobre os pratos, para eliminar todo e qualquer resquício da refeição, preparada com capricho e afeto por aquele que era a meu companheiro e cuidador de todos os dias.

Após um período de descanso, ela, a chaleira, voltaria ao fogo, desta vez para o café da tarde, outro momento ao redor da mesa que o vô não abria mão. Depois de fazermos as tarefas de casa, ele perguntava se não queríamos ir na padaria, buscar pão quentinho. De início íamos nós três, eu, meu irmão e o vô, com seu andar rapidinho e corpo curvado, lembrando uma tartaruguinha. Depois, na medida em que os anos foram passando, somente eu e o vô percorríamos as poucas quadras até a padaria. Por fim, somente eu ia. Nas sacolas, o pão, guloseimas compradas com o troco e doces memórias de um tempo que não volta mais, das tardes cumpridas, embaladas pelo aroma de mais um bule de café sendo preparado com ela, a chaleira.

Depois de adulta, já casada, chego na casa dos meus sogros e me deparo com ela, não a mesma, claro, mas uma legítima substituta daquela que dividiu comigo os dias mais quentes do verão e as tardes frias dos invernos. Lá estava a chaleira, no fogão, chiando, quase que chamando o sogro para o seu chimarrão matinal. Enquanto ele prepara o mate, olho para o utensílio em cima do fogão e sinto o peito apertar. Ela, a chaleira, é a memória concreta de uma falta que me habita. Toda vez que a água chiar em algum lugar que eu estiver, lá no céu a estrela mais brilhante irá piscar, como se pudesse dizer: Bom dia, como vai você?

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Cris Netto

E-mail: cristiane.snetto@gmail.com

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