Três coisas que não existem mais


Cris Netto

Outro dia a nostalgia chegou por aqui. Ao me dar conta de que não tenho mais 20 anos, também percebi que muitas coisas que habitaram minha infância e adolescência hoje já não existem mais, ou são peças de museu.

Os adolescentes dos anos oitenta iam para a escola a pé. No caminho, encontravam colegas e uma tribo do bem se formava. Chegavam todos juntos, conversando, rindo, brincando. O dia já começava bem, com uma caminhada leve e encontros involuntários, ou não, de vizinhos e colegas. Ninguém olhava estranho para o bando de adolescentes de boné e roupas largas. Hoje em dia, os jovens desembarcam apressados e cabisbaixos de carros mal estacionados, em fila dupla, na frente da escola.

Ainda pensando no trajeto de casa até a escola, não existia telefone celular. Os pais sabiam o horário que saíamos de casa e o horário que o sinal tocava na escola. Não tinha aplicativo para avisar de entradas e saídas. Tinha confiança, respeito e responsabilidade. Ganhar o direito de sair sozinha de casa era assumir a responsabilidade de chegar no horário nos compromissos. Ambos os lados concordavam, pais e filhos. Claro que sempre tinham os desvios, mas com risco controlado, para não passar a tolerância. Rebeldia era matar aula na praça na frente da escola, como se ninguém fosso perceber.

Não me entendam mal. Sou amante da tecnologia e hoje não vivo sem celular, mas por vezes, ao lembrar da liberdade que tínhamos naquela época, repenso se hoje nosso conforto não nos aprisiona mais do que nos protege. Lembro que nessa época, quando voltava sozinha da escola, tinha que chegar em casa e ligar para minha mãe. Telefone fixo para telefone fixo. Não tinha como mentir, a não ser que ligasse da casa de algum coleguinha, mas aí teria que ser uma combinação de fatores para dar certo, o que era bem mais trabalhoso.

Falando em tecnologia, lembro que o primeiro texto que escrevi, que foi publicado no jornal, tinha o título: A menina que queria sua própria Sessão Tarde. Eu tinha dez anos e ainda não usava computador. Escrevi uma carta para o Jornal Zero Hora, para a coluna Opinião, sugerindo que seria bom uma ação de final de ano onde os leitores pudessem escolher o que veriam na TV, para aproveitar melhor o período de férias escolares e assistirem filmes novos e não a eterna Lagoa Azul ou o revolucionário Esqueceram de Mim. Os filmes bons ficavam reservados para a Tela Quente, horário nobre que crianças da minha idade não tinham acesso. As crianças dormiam cedo. Sem telas até altas horas. Talvez eu tenha preconizado os serviços de streaming de hoje em dia. Mas a questão aqui nem era a televisão, e sim, as cartas. Aliás, só nesse parágrafo já listei várias mudanças no cotidiano das famílias. Cheguei na idade adulta e consegui o direito de escolher o que assistir na televisão, sem perder o hábito de escrever à mão. Contudo, reconheço que muitos jovens não sabem o que é uma carta, quando custa um selo e, pior, hoje as ruas não tem mais caixas de coleta de correio. Precisamos pegar um Uber e nos dirigirmos até o ponto dos Correios mais próximo. Convenhamos, um trabalho absurdo, que um e-mail pode resolver, em menos de um minuto.

Caminhadas até a escola, telefone fixo, cartas. Três costumes que sofreram modificações ao longo das últimas três décadas. Evolução ou retrocesso? Fica a critério de cada um decidir.

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Cris Netto

E-mail: cristiane.snetto@gmail.com

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