Gabriela Checchinato Facchini
Amarra
O ano era 1950, lá estava eu...tentava registrar todos os detalhes, vasculhando em busca de pistas que me indicassem que tudo não passava de um desenfado. Toda a certeza que tinha, estava diante dos meus olhos, não poderia ser o fim ou estaria arruinada.
Se o sol brilhava ou se a chuva caia sobre nós, já não sabia, ou não me importava... tanto faz, estava adormecida. O mundo exterior desaparecia pouco a pouco, à medida que nossos olhares se encontravam; teus olhos castanhos (que de comum não tinham nada) refletiam o azul dos meus. E se eu pudesse prever o futuro, maldizer ia todas as vezes que me olhasse no espelho e visse o lembrete do azul refletido, o mesmo azul daquele que nos separaria.
Mas ali, no nosso encontro, era como se toda aquela agua salgada, já estivesse fazendo seu trabalho sujo, transpassando minhas pálpebras. O quebrar das ondas, soavam como os ponteiros do relógio, indicando que a hora vil estava chegando.
Marco querido tentava conter-se, afinal um homem deveria ser forte, era o que toda a sociedade napolitana dizia. Mas a tristeza estava prestes a escorrer, já não podia mais segurar, e de forma ineficiente ele me consolava, como quem consola a si mesmo, sabendo que para este mal não haveria cura, remédio ou paciência, era urgente e doía.
O desespero circulava por todo o meu corpo, afogando toda esperança que ainda restava, pensamentos confluíam dentro de mim e me faziam chegar ao estremo. Gritava para que não o levassem, não poderia viver sem ele, mas em vão o fazia, nem olhavam para mim, subalterna atrevida, menina órfã e ingrata, é do que me chamavam.
─ Meu bem, por favor NÃO ─ dizia eu aos prantos..., mas ele emudeceu.
Com a tez desbotada, fitava meus olhos, perdido em lagrimas. Me agarrei em seus cabelos, soluçando minha dor em seu colarinho branco, guardava seu cheiro dentro de mim o máximo que conseguia inalar. Escorreguei sobre aqueles braços que tantas vezes me envolveram, sobre o peito que batia tonto quando me via, sobre as pernas que corriam ao meu encontro todas as manhas, até chegar nos pés que me deixariam.
Não, ele não queria me deixar, mas estava perdido, não sabia o que fazer diante do chamado da família, precisava honrar aqueles que o criara, não era um filho ingrato, ao menos era o que todos iriam dizer se ele não embarcasse.
No fundo Marco sabia que se houvesse uma forma, seus pais jamais teriam decidido sair da bela Itália, mas a pobreza já batia a porta de muitas casas, maquinas monstruosas substituíam aqueles que um dia foram indispensáveis no cultivo, agora buscar um futuro digno era o dever de todo chefe de família.
Me debrucei naquele cais e Marco, que já não continha mais suas lágrimas, soluçava e me abraçava sem saber o que fazer. Nossos olhos não pararam de se encontrar nem por um minuto sequer e eu podia ver a dor estampada no rosto dele, que sabia que deveria cumprir com sua obrigação e partir, e eu sabia que não poderia decidir por ele.
De um salto me levantei, endireitei meu vestido, enxuguei minhas lágrimas; Marco ainda estava agachado, e de baixou me olhou, beijou meus pés, minhas mãos, subindo até os meus lábios, me abraçou tão apertado, que perdi o ar por um segundo. Foram as únicas palavras que ele disse naquela manhã:
─ Anna, eu te amo!
Ainda de olhos fechados, deixei aquele som me preencher por completo, e de costas corri em direção oposta e gritei:
─ Eu te amo!
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