Na ponta dos dedos

Luiz Alexandre Kikuchi Negrão

- Que aconteceu com estes dedos? Baixou o vampiro em casa? Essas unhas e cutículas com cheiro de alho! Não combinam com este brilhante – com delicadeza Yarin pegou as mãos para cuidar – Lilith, você fica demais na cozinha. Seu mô não te merece.
- Que nada! Meu Acabe, além deste anel, trouxe espaguete no alho e óleo daquele restaurante caro do Centro. Ele até lembrou do aniversário de nosso casamento! – refutou.
- Mas, essas mãos azuis?
- Acho que bati e não percebi.
- Olha, miga. Se não quiser me dizer, deixa prá lá – Yarin encaminhou a cliente até o caixa e depois à porta do salão de beleza - Beijos. Inté!.
Lilith vomitou na calçada diante dela e buscou tranquilizar:
- Estou voltando para casa. Preciso ir urgente... – e correu.
Yarin viu a cliente chegar e entrar batendo portão e portas. Sentiu um frio na barriga e voltou para atender outras clientes. Já ia para a quarta cliente:
- Ô, Dona Lia. A senhora viu isso? – desligou o ventilador de ar.
- Acabou a luz? Apareceu um clarão aí em cima de você.
- Eu que desliguei. O ventilador já volta. A Lilith que não – Yarin chorou sem Dona Lia perceber e concluiu as mãos.
Seguiu com outras clientes. Ao passar diante da casa de Lilith constatou uma viatura do Instituto Médico Legal, o corpo da ex-cliente em uma bandeja comprida sendo despejada dentro do veículo, Acabe com lágrimas nos olhos e uma jovem abraçada confortando o viúvo.
Tempos depois, no salão de Yarin:
- Olá! Vim tirar a cutícula. É caro? Pode me ajudar? – consultou Jezabel.
- Oi. Gostei desse anel. Pra minhas conhecidas faço ainda mais conta se quiser fazer o serviço completo, com lentes e brilhantes também nas unhas.
Concluído o serviço, foram ao caixa. Ao abrir a bolsa, Jezabel deixou cair frasco enrolado em papel onde se lia “para Acabar”. O vidrinho quebrou e vazou líquido no chão. Com vassoura, pá, rodo e pano de chão Sheila limpou e guardou tudo. Ambas tossiram muito, a manicure abriu todas as janelas:
- Mano do céu! Que perfume dos infernos! – e chamou a polícia.
A jovem foi levada à delegacia, onde negou todas as acusações e ligou para os advogados. Acabe e Jezabel foram ao Tribunal do Júri, mesmo condenados aguardam soltos o julgamento da apelação.

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