No Coração da Transilvânia


Luiz Alexandre Kikuchi Negrão

Entre violetas estou diante de túmulo no cemitério na Transilvânia onde se lê Erzsébeth Sárkozi. Além de Vlad Ţepeş III, o Conde de Saint-Germain, e de Isabel Báthory, a Condessa de Sangue, a luta pela sobrevivência é desafiadora. Com as florestas ao redor, por volta dos 20°C, a bruma matinal e os ruídos dos ursos e bisões e uivos dos ventos, esta região mantém mistérios, até em mim.
Neste retorno, decorridos mais de setenta anos, eu, Desembargador Emeric Levai, cheguei a Ghiorac, perto da fronteira com a Hungria e de Salonta. Vim de carro do cemitério à casa de parentes nesta aldeia, percorrendo a estrada asfaltada. Observei a ruas de terra, casas de alvenaria e antenas. Ouvi as pessoas falarem húngaro.
Daqui não me lembrava muito. Na minha certidão de nascimento constavam Ghiorac, 26 de janeiro e Emeric. Contaram-me ter sido em uma casa nos primeiros minutos desse dia de 1929, filho da Sra. Sarolta Mátyási (Dona Sara) e do Sr. Stefan Levai, quando caía muita neve e vestíamos várias camadas de roupa. Eu com 9 meses de idade e meus pais, em meio a temporal, fomos a Viena e a Cherbourg, de onde embarcamos no Vapor Desna rumo às Américas.
No Brasil, morei na Vila Anastácio, onde quase não havia o que comer e sobrava água do perto do Rio Velho (braço morto do Tietê). Era filho único, desde pequeno joguei-me nos estudos, de manhã e à noite conversava com o senhor meu pai e o abraçava. Certo dia, a caminho do trabalho nas Oficinas da São Paulo Railway, com dores nas costas e no peito desde a véspera, o Sr. Stefan, contando 45 anos, tombou lívido diante de mim.
Essa morte impactou. Dona Sara se casou com o comerciante iugoslavo Estevam Buzaki, mudamos para Pirituba e nasceu meu irmão Eduardo Zoltan Buzaki. Mesmo com a pensão por morte, salário de prendas domésticas e aluguel de quarto e garagem de casa, Dona Sara contou com meus trocados desde os meus doze anos de idade. De volta ao Anastácio, cuidei da vendinha do Sr. Buzaki e até pesquei peixe no Tietê. Atrasei os estudos básicos, mas colei grau na Faculdade de Direito da USP e ascendi nas carreiras jurídicas. Casei-me com Luisa Ludivica, com quem tive 5 filhos e mudamos várias vezes.
Nesta viagem, minha Transilvânia revelou-se. Antes de entrar na casa de parentes, tirei os sapatos e as meias, entre violetas senti a terra. Dentro, saboreei o melhor gulache, com carne em cubinhos, páprica e cominho, e outras delícias. Às minhas mãos suadas trouxeram documentos e fotos do Sr. Stefan e de parentes.
Vi e organizei cada item sobre a mesa. O Sr. Stefan foi um dos filhos de administrador das terras de Salonta, estudou em escola profissional em Budapeste, foi convocado e lutou no exército húngaro na 1ª Guerra Mundial e retornou a Ghiorac, onde abriu oficina mecânica.
Faltava Erzsébeth Sárkozi. Entregaram-me foto e documento e esclareceram: ela se casou com o Sr. Stefan, tiveram só uma filha, que morreu no parto e dias depois a mãe. Meu peito apertou e segurei a foto de Dona Sara.

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Luiz Negrão

E-mail: luizalexandren@gmail.com

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