Emeric Lévay: o pioneiro da história do TRE-SP


Luiz Alexandre Kikuchi Negrão

No final de fevereiro de 2012, a Justiça Eleitoral completou 80 anos. Alguns episódios marcantes do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) merecem ser reavivados.
Após a publicação do primeiro Código Eleitoral, foi instalado o então Tribunal de Justiça Eleitoral de São Paulo. O início dos trabalhos preparatórios ocorreu no Salão Nobre do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), sob a presidência do Des. Affonso José de Carvalho, os presentes, empossados e compromissados os juristas, escolheram como Vice-Presidente o Dr. Reynaldo Porchat, como Procurador do Tribunal o Dr. Antonio Bruno Barbosa, como revela a ata inaugural, datada de 25 de maio de 1932. Este documento não era localizado até sua descoberta em notável pesquisa nos porões da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo em 1976. Este, entre outros fatos, dá azo à memória do Desembargador Emeric Lévay.
Nascido em Erdőgyarak, aldeia próxima a Nagyszalonta, na remota e misteriosa Transilvânia, em 26 de janeiro de 1929, Emeric Lévay chegou ao Brasil em tenra idade. Fez o Curso Clássico, graduou-se bacharel de Direito na USP e depois cursou Filosofia em Botucatu. Exerceu a advocacia, foi Promotor Interino, vindo a ingressar em 1957 como o primeiro membro estrangeiro (naturalizado brasileiro) do Ministério Público do Estado de Paulo (MP-SP), atuando em Apiaí, Iguape, Cachoeira Paulista, Araçatuba, São Manuel, Botucatu e São Paulo. Integrou o Conselho Editorial da Revista “Justitia”. Por antiguidade, foi promovido a Procurador de Justiça, sendo depois guindado a Subprocurador de Justiça e suplente do Corregedor-Geral. Pela regra do quinto constitucional, em dezembro de 1983 foi nomeado pelo então Governador do Estado André Franco Montoro para Juiz do Extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil. Por requerimento pediu remoção para o Extinto Tribunal de Alçada Criminal, onde presidiu a 12ª Câmara Criminal em 1984. Em 1993 foi nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça por merecimento, tendo sido o primeiro brasileiro naturalizado no Estado de São Paulo e no Brasil a ocupar essa função, passando a integrar a 4ª Câmara Criminal. De 1998 até seu passamento foi Coordenador do Museu da Justiça do E. TJ-SP, granjeando prestígio à Instituição, além de preparar o Palacete Conde de Sarzedas para acolher o que se tornou o Museu e Centro Cultural do TJ-SP, sob a coordenação do brilhante Des. Alexandre Moreira Germano. Lecionou na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie até sua última aula na manhã de 20 de outubro de 2004. Na manhã de 24 de outubro de 2004, “ficou encantado” (J. Guimarães Rosa), quedando seu derradeiro descanso no Cemitério da Lapa.
Alguns de seus pensamentos merecem ser revividos. O primeiro é aquele no qual a Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, apelidada de “Polaca”, não fazia jus à alcunha, haja vista que a Carta Política da Polônia de 1921 havia recebido emenda democrática em 1926, e que a inspiração da Carta Política do Estado Novo provinha da Constituição de Weimar de 1919, da Carta del Lavoro italiana de 1919 e da Constituição da República Portuguesa de 22 de fevereiro de 1933, de António de Oliveira Salazar e juristas por ele convidados. O segundo é o do reaforamento, que, segundo o princípio do juiz natural, assegura que o réu, exceto para ficar impune pela prescrição, possa ser julgado na sua Comarca de origem. O terceiro, fruto de suas pesquisas, defendia que, após a “Magna Charta Libertatum” de 1215, assinada pelo rei inglês João Sem Terra, o próximo documento de natureza constitucional foi a “Aranybulla”(Bula de Ouro), subscrita pelo rei húngaro André II em 1222.
Deixou extensa obra. Sob a coordenação de Carlos Eduardo Barreto, realizou a organização, remissões e índice alfabético da 1ª e 2ª edições do Código Penal de 1969 pela Editora Saraiva. Publicou “Retratação penal: o arrependimento ‘post-factum’ nos delitos contra a honra e nos crimes de falso testemunho e falsa perícia”,
além de pareceres e estudos jurídicos publicados em revistas especializadas como Revista dos Tribunais, Revista Forense e “Justitia”. Em 2003 deu vida aos livros “Nas Arcadas – Berço de Sonho e Cidadania” e “O Motim de 23 de Maio e o Movimento da Independência em São Paulo”, deixando no prelo “Na Contraluz da História”. Na coluna “História & Direito” do periódico “O Dia”, no Jornal da USP, entre os artigos publicados destacam-se: “O Palácio da Justiça: Berço do TRE de São Paulo” (a evolução da Justiça Eleitoral a partir de 1932, superando o Estado Novo e seu ressurgimento em 1945); e “A Presença da mulher brasileira na política nacional” (a evolução do voto feminino com destaque às pioneiras Alzira Soriano, Carlota Pereira de Queiroz, Bertha Lutz e as paulistas Maria Thereza Silveira de Barros Camargo e Maria Teresa Nogueira de Azevedo.
Patrocinou a criação e a evolução do Centro de Memória Eleitoral (CEMEL), a cargo do luminar José D’Amico Bauab (o Zezinho). Na sede principal do TRE-SP, em 14 de abril de 2000, reformas estruturais no saguão levaram o acervo do Centro ao 12º andar do Prédio Brigadeiro, entre outras instalações, sob risco de perecimento. Em outubro de 2000, o Des. Lévay, após envidar inúmeros esforços junto ao então Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça Des. Márcio Martins Bonilha, obteve dos então Exmos. Juiz Assessor da Presidência Dr. Carlos Eduardo Cauduro Padin e Presidente do Egrégio TRE Des. Júlio César Viseu Júnior a instalação e a preservação do acervo do CEMEL, que após passagem no Prédio Falcão Filho, voltou ao saguão da Sede Miquelina.
Com formação jurídica e histórica, redigiu as sínteses biográficas de todos os Presidentes do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo até a Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador José Mário Antonio Cardinale.
Embora lembrado em efeméride como representante da comunidade húngara e homenageado com a denominação de sala do Palácio da Justiça e de uma praça paulistana em Santo Amaro e pela turma de formandos em Direito do Mackenzie (2005), não se esvanece a memória deste distinto Magistrado e Professor. É uma exemplar trajetória de superação e dedicação à Excelentíssima Justiça Eleitoral!
(*) Versão retificada (local de nascimento)
Publicado como encarte especial do número 86, de "Notícias do TRE", novembro e dezembro de 2012.

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Luiz Negrão

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