Bumbum: um possível início


Luiz Alexandre Kikuchi Negrão

Na Casa da Cultura de Bertioga, Daniel Ventura, quartanista de Ciências Moleculares da USP e apreciador de romances brasileiros históricos, vulgo Buscapé, espera sua vez para participar de sarau. Vagou sem rumo pelas ruas do Centro de Bertioga. Iria à Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) no último dia conseguir autógrafo de Lilia Schwarcz, mas a Aline Uva foi mais persuasiva.
No dia anterior e no seguinte vieram imprevistos. Na rodoviária DE São Paulo o rapaz tentou comprar passagem, viu o último ônibus para Paraty ir embora diante dele. Arriscou ir a Santos e de lá comprou passagem até Ubatuba e seguiu de ônibus. Já de madrugada cheiro de borracha queimada dava enjoo nos passageiros e no próprio motorista e este, suando muito, virando o volante nas curvas da Rio Santos e segurando na marcha, consegue após minutos intermináveis parar o veículo na Praça dos Emancipadores de Bertioga em busca de resgate.
O vento congelava os passageiros, que encontraram tudo fechado. Os outros ficaram sentados junto ao ônibus. Vestindo apenas agasalho fino, Daniel percorreu a pé a avenida Anchieta até o rio Itapanhaú e chegou à pousada mais próxima ao lado do terminal rodoviário, onde passou a noite.
Por volta das 8 da manhã Buscapé voltou à rodoviária. Foi informado de que levaria mais cinco horas e meia para chegar a Paraty e o próximo ônibus não havia chegado.
O estômago roncou. Voltou seu olhar para a banca da esquina, onde as revistas da Suzy Cortez e a da Aline Uva. Tropeçou entrando no bar na travessa, decidindo se a morena ou a loira tinha o melhor derrière. Além da avenida Vicente de Carvalho, caindo em si, avistou a Serra do Mar, o rio com o canal de Bertioga e o Forte de São João. Pediu suco de laranja e X-salada com mostarda e molho de soja e durante a espera rascunhou a quadra no guardanapo: “Céu escuro: risca a estrela cadente.” Sorveu café sem açúcar e visualizou a Miss Bumbum loira. Viu e não se deu conta do ônibus para seu destino passar diante de si.
Derramou café no meio das pernas, levantou a cabeça e correu à rodoviária. O próximo partiria duas horas depois. Pela programação da Festa Literária, a mesa da FLIP seria às 13 horas. Buscapé tentou correndo atrás, parou exausto e voltou se arrastando.
Percorreu a Vicente de Carvalho e visitou o Forte. Com cheiro de casa úmida, viu apetrechos coloniais e, após subir a escada, na parte superior do Forte, sentiu ventania no rosto e avistou toda a orla com ilhas. Também viu na rua Tomé de Souza muitas pessoas entrando e saindo de uma casa. Na área verde, no estande de indígenas comprou adereço colorido de estrela.
Entrou na Casa da Cultura, onde o param:
- É um livro da Lilia Schwarcz? Pergunta o expositor
- Sim, pode olhar. – Responde Buscapé, deixando em mãos o livro com a estrela indígena e o guardanapo com rascunho.
- Muitos aqui gostam da cultura indígena – vão gostar da sua história. Vamos participar do sarau? Fique à vontade. Na capital tem um curso de Escrita Criativa, que pode ser ótimo para você. Depois do sarau darei o contato.
Durante o evento, para um público de pouco mais de vinte pessoas, Fernando Martins Lichti falou de sua “Poliantéia de Bertioga”. Apontou para Buscapé, que, com o rosto pálido e gaguejando no início e depois falando devagar, se apresentou e falou sobre o que viu do Forte São João e concluiu com a “six word story” e mostrando a estrela indígena. Foi aplaudido e agradeceu aos presentes. E à Uva.

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Luiz Negrão

E-mail: luizalexandren@gmail.com

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