Os ideais democráticos de 1932


Luiz Alexandre Kikuchi Negrão

A Revolução Constitucionalista de 1932 propagou os ideais de Democracia de São Paulo para o Brasil. Desde o período colonial até os presentes dias manifesta-se esta vocação da capital paulistana[1].
Com a ascensão de Getúlio Vargas à Magistratura Máxima em 1930, uma nova estrutura formava-se pela força, sem a legitimidade da sociedade civil. Instituído o Governo Provisório em 11 de novembro de 1930[2], decretos sucederam-se de maneira indefinida sobre a Constituição de 1891 e as emendas de 03 de setembro de 1926, que haviam sido discutidas e aprovadas de maneira democrática. Sobretudo, nesta primeira gestão varguista, os direitos e garantias fundamentais, principalmente o “Habeas Corpus”, foram limitados[3], bem como criava um tribunal de exceção - o Tribunal Especial[4], que apreciaria e julgaria crimes políticos, funcionais e outros da competência da respectiva lei orgânica, que poderia abranger qualquer crime salvo o que se considerasse comum – que originou mais tarde o Tribunal de Segurança Nacional[5].
Idealismo apenas não seria suficiente. Personalidades, como o grande empresário Francesco Matarazzo, o jornalista Júlio Mesquita Filho e o Promotor do Júri Dr. Ibrahim Nobre, tiveram a companhia de pessoas comuns na busca por uma nova Constituição, uma nova Lei Máxima para o Brasil. Dentre as comuns, sobressaíram-se, dentre outros, o estudante de Direito José Preisz[6].
O ano de 1932 foi turbulento. Em 24 de fevereiro, apesar de criada a Justiça Eleitoral, ocorre vultosa manifestação em São Paulo. Em 14 de maio é convocada a Assembleia Constituinte, mas comissão presidida pelo Ministério da Justiça e Interiores elaboraria o anteprojeto de Constituição[7]. Em 23 de maio[8], à noite, na Praça da República, tombam sem vida os corpos de Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antonio Américo de Camargo Andrade (em 12 de agosto perecia Orlando de Oliveira Alvarenga), sobrevindo definitivamente consistente movimento popular. Paulatinamente a Justiça Eleitoral é instalada, sobretudo no Estado de São Paulo e em sua capital[9]. Em 09 de julho inicia-se a guerra civil[10] entre paulistas e outros brasileiros[11]. Em 30 de setembro pode ter havido golpe frustrado[12]. Finalmente, em 02 de outubro encerram-se as hostilidades – São Paulo perdia a batalha, mas não a guerra – para manter o Governo Provisório, Vargas viabiliza a convocação da Assembleia Constituinte e as eleições de 03 de maio de 1933.
Em novos períodos, a personalidade de Vargas[13] desafiou a solidez das instituições democráticas. O primeiro governo constitucional (1934-1937) foi curto, contudo o espírito democrático quedou latente. Eleita a Constituinte, esta concluiu seus trabalhos em 16 de julho de 1934, com uma Constituição progressista, com inúmeros avanços sociais, como os direitos trabalhistas, a Justiça Eleitoral e o voto feminino. A polaridade entre socialistas e fascistas (integralistas)[14] propiciou o ambiente para o Plano Cohen, a outorga da Carta Política de 10 de novembro de 1937 e a instituição do Estado Novo. Para manter o regime, o ditador garantiu direitos trabalhistas e empresariais. A atuação exitosa da Força Expedicionária Brasileira (FEB) ao lado dos Aliados contra o Eixo, já no início de 1945 fez com que o Estado Novo e Vargas fossem pretérito perfeito[15] – o Presidente da Suprema Corte, Ministro José Linhares, assumiu a Presidência da República, desestruturou o arcabouço totalitário, viabilizou novas eleições gerais e o trabalho da Constituinte e permitiu a posse dos novos mandatários. O octênio varguista foi superado, o Marechal Eurico Gaspar Dutra pôs em prática o novo Estado Democrático de Direito, sobrevindo segundo governo constitucional de Vargas (1950-1954) e quase uma década de estabilidade.
A Democracia remanesce na História. Em períodos instáveis, como se fosse a vegetação do cerrado em resistência ao fogo, este ideal tenaz alumia a alma dos brasileiros, em especial os paulistas. Viva os Heróis de 1932!

Referências Bibliográficas:
1932: Histórias de uma Guerra. Direção e Produção Executiva: Thiago Montelli. Pesquisa e Apresentação: André Cezaretto e Thiago Castro. Roteiro: Guilherme Avzaradel. [S.l.] São Paulo: Academia História & Memórias e TJ Produções, 2014. 1 DVD (86min), son., color. Produzido por Academia História & Memórias e TJ Produções.
Justiça Eleitoral. Coordenação Eliana Passarelli. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. 240p. il. 29cm.
LÉVAY, Emeric. Nas Arcadas – Berço de Sonho e Cidadania. 1. ed. São Paulo: editora do autor, 2003. 215p. il.
LIRA NETO. Getúlio. vol. 2. 1930-1945. Do governo provisório à ditadura do Estado Novo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 632p.
Paulistânia Eleitoral: Ensaios, memórias, imagens. Organização José D’Amico Bauab. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011. 368p. il. 29cm.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. 1.ed. 6. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, 696p.

Notas de fim
1 As páginas do Centro de Memória Eleitoral do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo – CEMEL (http://www.tre-sp.jus.br/institucional/centro-de-memoria-eleitoral/centro-de-memoria-eleitoral) e do Centro de Memória da Câmara Municipal de São Paulo – CEMEC (http://www.camara.sp.gov.br/memoria/) contêm farto material.
2 Decreto federal n. 19.398, de 11 de novembro de 1930. Foi publicado no Diário Oficial da União, Seção 1, quarta-feira, 12 de novembro de 1930, pág. 20.663.
3 Artigo 5º do decreto federal n. 19.398, de 1930.
4 Artigo 16 do decreto federal n. 19.398, de 1930.
5 O Tribunal Especial, com a edição da lei federal n. 244, de 11 de setembro de 1936 (embora no Governo Constitucional de Getúlio Vargas), foi concretizado no Tribunal de Segurança Nacional – TSN. Inicialmente foi órgão da Justiça Militar, competente para julgar crimes contra a ordem política e social (definidos pelas leis n. 38, de 4 de abril de 1935, e n. 136, de 14 de dezembro de 1935), com recurso para o Superior Tribunal Militar (STM). Pela Constituição de 1937 (artigo 173) foi alçado a órgão autônomo do Poder Judiciário. Sobreveio o decreto-lei n. 88, de 20 de dezembro de 1937, tornando irrecorríveis as decisões do TSN, que seria de fato e de direito tribunal de exceção (não era mais órgão da Justiça Militar) e para julgar, além dos crimes para os quais já era competente, outros crimes contra a economia popular. Para legitimar estas disposições, foi editada a lei constitucional n. 7, de 30 de setembro de 1942, para adequar as competências da Justiça Militar e do TSN. Com a deposição de Vargas, o Presidente da República, Dr. José Linhares, dentre outras medidas, editou a lei constitucional n. 14, de 17 de novembro de 1945, que extinguiu esta corte excepcional.
6 LÉVAY, Emeric. O Acadêmico José Preisz, um Herói Esquecido de 32 in LÉVAY, Emeric. Nas Arcadas – Berço de Sonho e Cidadania, 1. ed., São Paulo, editora do autor, 2003, pág. 113-121.
Nascido em 19 de fevereiro de 1904, em Kapolcs, Império Austro-Húngaro, José Preisz, após cursar Direito até o terceiro ano na Universidade Pázmány Péter em Budapeste, veio ao Brasil em 1925. O jovem trabalhou na General Motors do Brasil e, ao mesmo tempo, estudou e concluiu a madureza no Ginásio do Estado. Aprovado no vestibular da Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1930, veio a cursar Ciências Jurídicas. Com a tensão contra o Governo Provisório, ele e os colegas engajaram-se no Batalhão Ibrahim Nobre. Vieram a combater em frente de batalha. Com o acirramento dos combates, veio a se tornar herói no fatal combate na manhã de 28 de setembro de 1932, no distrito de Salto Grande, então comarca de Santa Cruz do Rio Pardo.
7 Decreto federal n. 21.402, de 14 de maio de 1932. Foi publicado no Diário Oficial da União, Seção 1, quarta-feira, 17 de maio de 1931, pág. 9.486.
8 LÉVAY, Emeric. MMDC – um nome que faltou na sigla da Revolução de 32 in LÉVAY, Emeric. Obra citada, pág. 107-112.
9 MARX, Geraldina. Meu Eleitoral de Antigamente in Paulistânia Eleitoral: Ensaios, memórias, imagens. Organização José D’Amico Bauab. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, pág. 89-96.
10 SCHWARCZ, Lilia Moritz. STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia, 1. ed., 6. reimpr., São Paulo, Companhia das Letras, 2015, pág. 363-366.
11 1932: Histórias de uma Guerra, Direção e Produção Executiva: Thiago Montelli, Pesquisa e Apresentação: André Cezaretto e Thiago Castro, Roteiro: Guilherme Avzaradel, [S.l.] São Paulo, Academia História & Memórias e TJ Produções, 2014, Produzido por Academia História & Memórias e TJ Produções.
Neste documentário bastante elaborado, depoimentos, vídeos e fotografias, com vários extras, buscam provar que o conflito envolveu não apenas tropas paulistas contra as federais, mas, também as de outros Estados.
12 O Golpe de 30 de Setembro in 1932: Histórias de uma Guerra, extra 12.
13 LIRA NETO. Getúlio, vol. 2, São Paulo, Companhia das Letras, 2013.
14 PRESTES FILHO, Ubirajara de Farias. BUONAVITA, Marilia Gabriela. O debate político na Câmara Municipal de São Paulo em 1936-1937: o Integralismo e a Liberal-Democracia in Paulistânia Eleitoral: Ensaios, memórias, imagens, pág. 97-114.
15 BAUAB, José D’Amico. A Justiça Brasileira Pós-Estado Novo in Justiça Eleitoral, Coordenação Eliana Passarelli, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005, pág. 51-77.

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