As sedes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo


Luiz Alexandre Kikuchi Negrão

Em sua trajetória de mais de noventa anos, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) esteve sediado em cinco imóveis, sendo que dois não puderam acolhê-lo.
Não serviram ao TRE-SP o casarão da Rua do Carmo e os baixos do Viaduto Santa Efigênia. Em 1935 imóvel que havia acolhido a Escola Anexa à Normal de São Paulo (Escola Estadual Caetano de Campos) havia sido cedido pelo governo do Estado, mas, aprovada a licitação de reforma, o valor do candidato vencedor foi maior da disponibilidade orçamentária do Tribunal e foi necessário buscar alternativa, que foi o de outra escola famosa. Em 1962 o vereador paulistano Alex Freua Netto propôs a transferência de imóvel municipal para a União para nele servir o TRE-SP, mas a proposta não seguiu adiante diante de decisão de alugar imóvel maior em bairro distante, que serviu como Armazém do TRE.
Sediaram a Justiça Eleitoral paulista: o Palácio da Justiça, a Escola “Miss Browne”, a antiga Biblioteca Pública Municipal de São Paulo, o prédio da Rua do Seminário e o atual complexo de torres da Rua Miquelina.
Construído entre 1920 a 1932 no projeto de Francisco de Paula Ramos de Azevedo, inaugurado em janeiro de 1933 e reinaugurado em 25 de janeiro de 1942, substituindo a antiga sede [1], o Palácio da Justiça sediou o Tribunal Regional de Justiça Eleitoral de São Paulo (TRJE-SP). De 25 de maio de 1932 a agosto de 1936, abrigou a Corte e os cartórios da Capital (nove à época), na Rua Onze de Agosto, nº 43 (antiga Rua do Quartel [2]). Durante décadas os cartórios eleitorais do interior ficaram nos fóruns estaduais. Realizou o alistamento e importantes pleitos, como o de 03 de maio de 1933, em turnos, para a Assembleia Constituinte, em que de maneira pioneira em todo o Brasil mulheres, como a Dra. Carlota Pereira de Queiroz, votaram e foram eleitas (a Constituição de 1934 foi uma das mais democráticas, vindo a desagradar o Presidente Getúlio Vargas e partidos conservadores e extremistas).
De 29 de agosto de 1936 a 16 de setembro de 1937 o casarão que tinha servido o Externato “Miss Browne” abrigou o TRJE-SP no segundo grau de jurisdição e o depósito de urnas de madeira e de aço. Estas urnas e o depósito foram questionadas pelo Partido Republicano Paulista (à época as agremiações políticas não eram obrigadas a ter caráter nacional), sobrevindo laudo do recém-criado Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) atestando a segurança e a confiabilidade das urnas e do local de armazenamento. Ainda, a Corte prosseguiu o alistamento eleitoral, aprovou seu Regimento Interno (o anterior foi o Regimento Geral dos Juízos, Secretarias e Cartórios Eleitorais de 1932, aprovado pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral – TSJE). Preparou e realizou as eleições municipais de março de 1936 e, após a aprovação em 25 de janeiro de 1937 pelo TSJE, fazia os preparativos do pleito nunca ocorrido – as eleições presidenciais de 03 de janeiro de 1938. Na noite de 10 de novembro de 1937, pelas rádios o Presidente Getúlio Vargas anunciou a decretação da Constituição do Estado Novo e respectivo regime (“Inverno Varguista”, na feliz expressão de José D’Amico Bauab [3]), vindo o TSJE encerrar suas atividades no dia seguinte e o TRJE-SP no dia 16 seguinte, com célebre discurso do Dr. Mário Guimarães.
No desmonte do Estado Novo e em busca da democracia e de Direitos Humanos, entre 06 de junho de 1945 e 1947 o Palácio da Justiça voltou a ter entre suas dependências, então sob a presidência do Desembargador Mário Guimarães, o TRJE-SP (renomeado para TRE-SP pela Constituição Federal de 1946), em primeiro (os seis cartórios da Capital) e segundo graus. Os demais 142 cartórios ficaram em fóruns estaduais no Interior. Foram realizadas as Eleições gerais de 02 de dezembro de 1945 e a eleição suplementar de 10 de fevereiro de 1946 (referente a 86 urnas anuladas), gerais de 19 de janeiro de 1947 e municipais de 23 de março de 1947.
Entre julho de 1947 e maio de 1952 o casarão da antiga Biblioteca Pública Municipal de São Paulo acolheu apenas o TRE-SP em segundo grau, permanecendo os cartórios no Palácio da Justiça. Até 1942 sediou a Biblioteca “Mário de Andrade” e depois posto de entrega de cartões de racionamento de gasolina durante a Segunda Guerra Mundial e a empresa Natureza Produtos Farmacêuticos Vegetais S/A. Anos após ter sediado a Justiça Eleitoral paulista, serviu de estacionamento de propriedade da Companhia de Seguros do Estado de São Paulo e o imóvel foi demolido para ser edificado o prédio do extinto Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (IPESP), em 2005 sucedido pela instituição São Paulo – Previdência (SP-Prev). Nesta sede foram realizados alguns pleitos, como o Vice-Governador do Estado [4](em 09 de novembro de 1947) e de vice-prefeitos [5], que poderiam ser ocupadas até por pessoas de espectro político totalmente oposto [6], além de eleições municipais e das gerais de 03 de outubro de 1950.
De maio de 1952 a junho de 1970, acolheu o primeiro e o segundo graus de jurisdição do TRE-SP o prédio do número 61 da Rua do Seminário. Atualmente o imóvel sedia da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. O Armazém do TRE, supramencionado, localizado na Rua Sande (atual Hassib Mofarrej), nº 775, Vila Leopoldina, São Paulo, propiciou estrutura ao Arquivo, ao Almoxarifado e à Marcenaria e recebeu as urnas que aguardavam para ser apuradas nas Juntas Eleitorais, nas ricas memórias de Aldo Telles de Menezes. Foram realizadas eleições diretas e célebres como as de 04 de outubro de 1959 (municipais, com a eleição do rinoceronte Cacareco) e o plebiscito de 06 de janeiro de 1963 (sim e não para “Aprova o Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo?” [7]). Em razão do advento do regime militar em 1964 e seu recrudescimento em 1968 sobrevieram diversas eleições indiretas realizadas por órgãos legislativos.
A atual sede a partir de 06 de junho de 1970 na Rua Francisca Miquelina, nº 123 foi construída com o trabalho de artífices e outros colegas, como Aldo Telles de Menezes, cujos depoimentos constam do Projeto “História Oral”, do filme “Operários do Voto: memórias de um lugar” e do vindouro vídeo “Barba, Cabelo e Bigode”, da série “Eleitoralidades Paulistas”. Além desse complexo interligado de prédios (Miquelina, Brigadeiro e Anexo), há o Falcão Filho (Edifício Desembargador Álvaro Lazzarini), o Anexo III, o Líbero Badaró e o do Almoxarifado, na Alameda Nothmann, nº 1.146. Além do segundo grau da Justiça Eleitoral, o complexo de prédios acolheu alguns cartórios de São Paulo, que foram posteriormente transferidas a imóveis da Capital. Os cartórios eleitorais saíram dos fóruns estaduais, foram a imóveis alugados em convênios com as prefeituras municipais locais e buscam-se locar imóveis sem esses convênios. Vem a busca da efetivação do voto e eleições em mulheres e as minorias, sobretudo a população negra e nações indígenas. Na década de 1980 as eleições indiretas para alguns cargos (Presidente, Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador, prefeito e vice-prefeito de capital) a ser diretas. Inicialmente as eleições foram de cédulas, com o advento da urna eletrônica e sua implantação entre 1996 e 2000, vindo a evolução com diversos modelos do coletor eletrônico de votos (CEV) com teclado de membrana até urnas contando softwares mais robustos, protetivos e ágeis e microterminal com “touchscreen” e, em breve, talvez o e-voting (testado em celulares nas eleições municipais de 15 de novembro de 2020 no câmpus Higienópolis da Universidade Presbiteriana Mackenzie, além de Curitiba e Valparaíso de Goiás). Têm sido organizadas e executadas inúmeras eleições oficiais, em especial o plebiscito de 21 de abril de 1993 (forma de governo – monarquia e república - e sistema de governo – presidencialismo e parlamentarismo [8]) e o referendo do Estatuto do Desarmamento em 23 de outubro de 2005 (sim e não para a questão “O comércio de armas de fogo e munições deve ser proibido no Brasil?” [9]), assim como as eleições parametrizadas, denominadas comunitárias, como, por exemplo, os pleitos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Houve julgamentos célebres como: o registro de candidatura de Fernando Henrique Cardoso ao Senado em 1978, com voto divergente de Theotônio Negrão, invalidando atos institucionais do regime militar [10]; a candidatura de Sílvio Santos à presidência da República e o registro do Partido Municipalista Brasileiro (PMB) em 1989, primeiras eleições presidenciais após término do regime militar; e o recurso criminal do Ministério Público Eleitoral contra o candidato Tiririca em 2010.
Concluindo, a Corte Regional Eleitoral Paulista, ressalvadas as duas possibilidades de sede, foi acolhido em imóveis que lhe deram a infraestrutura necessária para os enormes desafios que superou com eficiência e promoção da justiça, dos Direitos Humanos e da democracia.


Referências
Justiça Eleitoral: uma retrospectiva. Realização: Comissão Justiça Eleitoral. Coordenação: Eliana Passarelli. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005.
LÉVAY, Emeric. O Conselheiro Tristão de Araripe (1º Presidente do Tribunal), Museu do Tribunal de Justiça, 19/10/2009, disponível em https://www.tjsp.jus.br/Museu/Comunicados/Comunicado?codigoComunicado=153&pagina=1.
NEGRÃO, Luiz Alexandre Kikuchi. A Toga do Doutor Thetonio Negrão, 31/12/2018. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-toga-do-doutor-theotonio-negrao/661814834.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Referendo de 2005. Eleições. Disponível em https://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/referendo-2005/referendo-2005-1.
Vamos falar da São Paulo IV? São Paulo: Editora Matarazzo, 2019.
WESTIN, Ricardo. Há 30 anos, Brasil foi às urnas decidir se teria rei e primeiro-ministro. Agência Senado. Arquivo S - edição 99 - Política, 05/04/2023. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-30-anos-brasil-foi-as-urnas-decidir-se-teria-rei-e-primeiro-ministro.
WESTIN, Ricardo. No plebiscito de 1963, Brasil derruba parlamentarismo e devolve poderes a Jango. Agência Senado. Arquivo S, 02/02/2018. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/infograficos/2018/02/no-plebiscito-de-1963-brasil-derruba-parlamentarismo-e-devolve-poderes-a-jango.

Notas:
1 - LÉVAY, Emeric. O Conselheiro Tristão de Araripe (1º Presidente do Tribunal), Museu do Tribunal de Justiça, 19/10/2009, disponível em https://www.tjsp.jus.br/Museu/Comunicados/Comunicado?codigoComunicado=153&pagina=1.
Criado em 06 de agosto de 1873 pelo decreto imperial n° 2.342, o Tribunal da Relação de São Paulo e Paraná foi inaugurado em 03 de fevereiro de 1874 pelo Presidente, Conselheiro Tristão de Alencar Araripe, e outros seis membros da Corte, pela Constituição Federal de 1891, desmembrado em Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o do Paraná (a província do Paraná havia sido desmembrada de São Paulo pela lei imperial n. 704, de 29 de agosto de 1853). A antiga sede foi casarão de dois andares na Rua Boa Vista, nº 20, ao lado do Teatro Santana.
2 - GUTENBERG, Rodrigo. Antiga Rua do Quartel in Vamos falar da São Paulo IV?, São Paulo, Editora Matarazzo, 2019, páginas 53 a 60.
3 - Neste contexto, comparo a Justiça Eleitoral durante o Estado Novo ao inverno no Cerrado brasileiro, com a floresta em chamas sobre o solo e a robusta subterrânea durante essa estação do ano, que faz ressuscitar a aérea na primavera.
4 - Constituição Federal de 18 de setembro de 1946 (página do Palácio do Planalto): http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm
Constituição Estadual de 9 de julho de 1947 (página da Assembleia Legislativa): https://www.al.sp.gov.br/leis/constituicoes/constituicoes-anteriores/constituicao-estadual-1947/
Lei Agamenon Magalhães - decreto-lei federal n. 7.586, de 28 de maio de 1945: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del7586.htm
Entre 1945 e 1947 por omissão da Constituição Federal de 1946 e do Código Eleitoral de 1945 (Lei Agamenon Magalhães), a Constituição Estadual de 1947, em seu artigo 35, fez previsão desse cargo.
5 - Código Eleitoral de 1950 - lei federal n. 1.164, de 24 de julho de 1950: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L1164.htm
Lei estadual n. 1, de 18 de setembro de 1947 (página da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo): https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1947/lei-1-18.09.1947.html
Lei estadual n. 1.174, de 21 de agosto de 1951 (página da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo): https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1951/lei-1174-21.08.1951.html
De maneira semelhante à de Vice-Governador, entre 1945 e 1951 por omissão da Constituição Federal de 1946 e da Estadual de 1947, foram necessárias as publicações do Código Eleitoral de 1950 e de lei estadual.
6 - Código Eleitoral de 1965 - lei federal n. 4.737, de 15 de julho de 1965: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm
Somente com o Código Eleitoral de 1965, o vigente com alterações, as chapas para os cargos do Poder Executivo são indivisíveis.
7 - WESTIN, Ricardo. No plebiscito de 1963, Brasil derruba parlamentarismo e devolve poderes a Jango, Agência Senado, Arquivo S, 02/02/2018, disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/infograficos/2018/02/no-plebiscito-de-1963-brasil-derruba-parlamentarismo-e-devolve-poderes-a-jango
8 - WESTIN, Ricardo. Há 30 anos, Brasil foi às urnas decidir se teria rei e primeiro-ministro, Agência Senado, Arquivo S, edição 99 - Política, 05/04/2023, disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-30-anos-brasil-foi-as-urnas-decidir-se-teria-rei-e-primeiro-ministro
9 - TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Referendo de 2005, Eleições, disponível em https://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/referendo-2005/referendo-2005-1
10 - NEGRÃO, Luiz Alexandre Kikuchi. A Toga do Doutor Thetonio Negrão, 31/12/2018, disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-toga-do-doutor-theotonio-negrao/661814834

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