Visita Adiada


Ana Helena Reis

Cara amiga, me desculpe a falta de cerimônia, mas com a proximidade de sua visita acho que já posso trata-la com intimidade. Afinal, nosso encontro selará uma amizade eterna, não?

Escrevo-lhe para pedir uma gentileza, veja se é possível me atender. Estive pensando (aliás esse pensamento tem me tirado o sono, tenho que confessar): será que sua visita não é um pouco precipitada?

Veja bem – ainda não conversamos a respeito de como será a chegada, se virá sem anunciar ou mandará alguns recados antes, para eu poder me preparar. Isso me deixa um pouco angustiada, porque apesar de não ser uma pessoa que normalmente se programa com antecedência, devido à importância da visitante não gostaria de ser pega agora de surpresa.

Para que não considere uma indelicadeza de minha parte, vou procurar explicar o que me preocupa. Tenho observado que grandes poetas e compositores tem falado de você e, sábios como são, se referem ao arrependimento de não ter se preparado o suficiente para recebe-la. Não quero incorrer nesse erro e tornar a sua visita uma tragédia.

Uma das composições* com que mais me identifiquei, me alertou a respeito de tudo o que deixei inacabado, mal resolvido, o que deveria ter feito e ainda não fiz; portanto te peço, preciso de um tempo a mais para que, quando chegar, possa me encontrar pronta para esse encontro. Veja se me compreende:

Me falta ainda arriscar mais, apreciar mais pores do sol, caminhar descalça na areia sem pressa, tomar chuva no rosto, ver minhas flores rebrotarem por mais uma estação. Andar distraída, diminuir o trabalho, não me importar com problemas pequenos.

Ainda tenho amores a viver sem medo de por eles chorar, pois hoje sei que morre lentamente quem evita uma paixão.

Preciso de tempo para aceitar as pessoas como elas são, complicar menos, chorar mais. Dizer aos meus filhos tudo aquilo que deixei para depois e gostaria de ter dito, abraça-los mais, beijá-los até cansar.

Por isso lhe peço que atrase um pouco a sua vinda, pois se eu já estiver preparada, sei que o acaso vai me proteger e que poderá chegar mesmo sem avisar. Para falar a verdade até prefiro, pois pouparei a família e os amigos do trabalho que posso dar a eles para me ajudar nessa passagem, se você ficar me mandando recados.

Só tem um problema – acredito que, para poder fazer tudo o que ainda me falta, vou precisar de pelo menos mais dez anos, será que é pedir prazo demais?

Na esperança de poder abraça-la em um futuro mais longínquo, agradeço antecipadamente a compreensão.

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