Saudades daquela que não fui


Cris Netto

Chego aos 40 com a sensação de que já fiz muita coisa e também deixei muito para trás. Fiz escolhas que me trouxeram até onde estou hoje, mas aquela que não fui às vezes grita dentro de mim.

Nunca quebrei um braço ou perna. Logo, não tive gesso assinado ou alguém copiando a lição para mim. Eu sempre fui aquela menina que copiava a lição, enquanto os outros, de braço quebrado, faziam farra na sala de aula, enlouquecendo os professores.

Não dormi ao relento, na beira da praia, esperando o sol nascer, depois de uma noitada. Minhas noitadas foram raras e terminavam no máximo à meia noite, quando o medo de perder o sapato de cristal, me fazia voltar caminhando por ruas seguras.

Eu nunca acampei. Para passar perrengues, tinha os outros onze meses do ano. No mês de férias, nossa ideia de descanso era conforto e ar condicionado. Isso me levou a lugares conhecidos, guardando para depois a vontade de me encerrar no meio do mato. Fico com a esperança, talvez ingênua, que a reconexão com a natureza crua me proporcione uma energia extra para o restante do ano.

Não debutei nem viajei para a Disney nos meus quinze.anos. Fiz festa em casa para os amigos e ganhei um computador, com acesso à internet e ao Mirc. Não trouxe um telefone do Mickey, mas ganhei o mundo.

Não fiz cursinho pré vestibular. E nem sabático depois da faculdade. Emendei colégio, graduação e mestrado. Completei os estudos de um fôlego só, o que me garantiu um bom emprego e todos os bens materiais que tenho hoje. Estabilidade foi importante há uma década. Mas a falta de propósito agora me causa um vazio que não sei explicar.

Não prestei vestibular para a UFRGS. Experimentei uma particular para ver como era e estou nela até agora.

Não é arrependimento, é curiosidade de quem eu teria sido. Se tivesse esperado mais para entrar na faculdade, talvez passasse na UFRGS e essa sutil mudança de rota teria alterado todo o meu destino.

Eu seria outra versão de mim, que chegaria aos 40 também pensando que poderia ter feito diversas coisas diferentes. Essa reflexão me trouxe até aqui, me levando a escrever e a alterar a rota mais um pouquinho, escrevendo, alterando a rota mais um pouquinho e preenchendo espaços vazios da minha história.

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Cris Netto

E-mail: cristiane.snetto@gmail.com

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