Tistu


Ana Helena Reis

“Como posso explicar a uma pessoa que está fechada há um mês num apartamento numa grande metrópole, o que é o meu isolamento? Desculpem dizer isso, mas hoje plantei milho, já plantei uma árvore…Faz algum tempo que nós, na aldeia Krenak, já estávamos de luto pelo nosso rio Doce. Não imaginava que o mundo nos traria esse novo luto.”
Com esse parágrafo, Ailton Krenak, na publicação O Amanhã Não Está à Venda, traça um panorama sobre o significado do isolamento social para a humanidade.
Parte de uma pergunta fundamental: “[...] Somos, de fato, uma humanidade?” Porque fomos embalados com a história de que somos a humanidade, e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra, passando a pensar que ela é uma coisa e nós outra. Mas tudo é natureza. Nós, a humanidade, vivemos em ambientes artificiais e agora o vírus Sars-Cov-2 parece ter cansado da gente. Ele não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, só humanos; precisamos entender, portanto, que esse vírus está discriminando a humanidade, e a natureza segue.
Segundo Krenak, temos que abandonar o antropocentrismo e entender que há muita vida além da gente, que não fazemos falta para a biodiversidade, pelo contrário.
O mundo está em suspensão e as pessoas acham que basta apenas mudar o calendário, adiar os compromissos como se tudo fosse voltar ao normal. Isso é uma volta ao passado, e é esse o recado de Krenak – o amanhã não está à venda; tomara que não voltemos à normalidade porque, se assim for, não valeu nada a morte de milhões de pessoas no mundo inteiro. A sensação é de que estamos caindo, despencando.
O autor sugere, então, em um outro texto Ideias Para Adiar o Fim do Mundo, que usemos nossa capacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos e um novo mundo possível, num reordenamento das relações e dos espaços.
A metáfora dos paraquedas coloridos me trouxe à memória um livro que encantava meus filhos na infância, O Menino do Dedo Verde, de Maurice Drumon. A história do menino que, com seu polegar verde invisível, transformava tudo o que tocava, semeando o bem.
Quem dera esta nova geração que está se criando no confinamento consiga, como Tistu, aterrizar em um mundo com mais “humanidade”; que possam sonhar com o reverdecer desse organismo vivo fadado ao colapso de que fazemos parte, reintegrando novamente a Cabeça (Kre) à Terra (Nak).
E não é que há esperança? O movimento de aproximação das crianças com a natureza durante o isolamento social é uma realidade. Em maio de 2020 os termos “horta em casa” atingiram todos os picos de pesquisa no Google, ficando em quarto lugar entre os assuntos mais procurados. Em 2021, as vendas dos itens de jardinagem cresceram 110%, segundo pesquisa da OLX.
Como no jardim de Tistu, mesmo nos pequenos espaços em que vivemos, novos elos com o ciclo da natureza estão sendo criados pelas famílias e podem ser, sim, um primeiro passo para adiar o fim do mundo.


Krenak, Ailton. O Amanhã Não Está à Venda. São Paulo: Cia das Letras, 2020.
Krenak, Ailton. Ideias Para Adiar o Fim do Mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2021.

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