Perdão


Ana Helena Reis

O bar estava cheio. Ela olhou ao redor à procura de uma mesa vazia onde pudesse se sentar. Precisava de um tempo sozinha para poder colocar as ideias em ordem, antes de enfrentar aquele encontro.
Tirou da bolsa uma fotografia, procurando identificar, nos traços angulosos, no olhar acovardado e no contorno frio dos lábios, algum sinal de doçura que pudesse amenizar a sensação de abandono que consumia suas entranhas e lhe envenenava os pensamentos. Tinha recebido a foto junto com o convite para uma reconciliação.
Pediu uma bebida. Um pouco de álcool talvez aliviasse sua angústia e ela conseguisse modular a voz para dar a impressão de que estava controlada, calma e preparada para o inevitável – ter uma conversa sobre o passado.
Tinha evitado esse momento, com medo de fraquejar e se jogar em seus braços, sentir seu calor e buscar, nesse refúgio, o aconchego com que sonhava em seus momentos de inquietude. “Calma, calma. Não! Isso não pode acontecer.” murmurou para si mesma. Aceitar esse convite agora, depois de tanta insistência, não significava deixar de lado o rancor e a mágoa que a acompanhava desde que se deu conta de que tinha sido abandonada.
De súbito, colocou-se de pé, disposta a desistir, fugir dali o mais rápido possível e colocar uma pedra definitiva no passado. Enquanto procurava o garçom para pedir a conta, se questionava: “Para que revolver essa ferida e provocar um novo sangramento, quando não há possibilidade de cura, de reconstrução do que foi dilacerado?”
Para essa mulher, o tempo de vida que perdeu com a separação não havia como recuperar, era tarde demais. Muito menos refazer laços que foram rompidos de forma tão cruel e a privaram do afeto de que tanto precisava. A vida seguiu, e ela aprendeu a viver sem esse calor. Mas sabia que, sem um acerto de contas, não haveria como superar as sequelas que essa falta provocou.
Achou melhor sentar-se novamente e enfrentar. Olhou para o relógio – era chegada a hora. Um taxi parou em frente ao bar; a porta se abriu e uma pessoa fez menção de sair, mas voltou, dirigindo-se ao motorista:
— O senhor me desculpe, mas poderia dar somente mais uma volta no quarteirão e conversar comigo um pouquinho?
O motorista, sentindo sua aflição, logo aquiesceu.
— Me diga uma coisa, meu rapaz, o que você nunca perdoaria sua mãe?
— Dona, pra falar a verdade, nunca pensei nisso. Mas acho que a única coisa que eu não perdoaria minha mãe é se ela tivesse me abandonado.

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