Pasárgada


Ana Helena Reis

Vou me embora para Pasárgada, aqui não sou amigo do rei. Se Manoel Bandeira pudesse reescrever seu poema nos dias de hoje, talvez fosse assim sua primeira estrofe. A intenção de imigração entre os descontentes com o reinado é cada vez mais intensa.
Não é de hoje que somos atraídos pela promessa de uma vida melhor no exterior. No passado, quem deixava o Brasil eram, em grande parte, os solteiros bem posicionados, em busca de oportunidades de maior crescimento profissional. Agora, além de famílias inteiras, acadêmicos e profissionais com alta qualificação, o que se vê é a busca por uma oportunidade de migração por quem não se sente incluído nesse reinado.
Em 2015 eram 650,965 mil brasileiros pelo mundo, segundo o Relatório Internacional de Migração do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Secretaria das Nações Unidas (Desa). Já em 2019, o mesmo estudo apontou 737,943 mil brasileiros pelo mundo. Em outras palavras, em quatro anos quase 100 mil brasileiros se mudaram do país rumo, principalmente, a países europeus.
Cresce cada vez mais o coro dos desamparados, dos que estão do lado de fora do fosso do castelo. Os sem emprego, sem perspectivas, ignorados por uma política social, econômica e ambiental que não os contempla.
E enquanto os amigos do rei se banqueteiam, o Brasil chega a 13,1 milhões de pessoas que não conseguem um emprego formal, nem as mínimas condições de sobrevivência. O resultado é que um contingente cada vez maior de jovens, 47% segundo dados do recém-lançado Atlas das Juventudes e de novos estudos da FGV Social, pensa em deixar o país.
Concluem que aqui a existência é uma aventura, da qual só fazem parte os eleitos. Não sabem o que os espera, nem o quanto de fantasia e ilogicidade existe nesse utópico país de delícias, para onde pretendem imigrar. Mesmo assim, tentam guardar algumas migalhas do que recebem com trabalhos informais para tentar um voo cego.
É que o desalento, a desesperança e a fome falam cada vez mais alto para aqueles que, como o poeta, chegam à sua derradeira estrofe:

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Vou me embora pra Pasárgada.

Aqui, não sou amigo do rei.

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