Primavera


Magda Souza

A primavera morava em Bagé. Chegava carregada de bagagens, a frasqueira cheia de brilho das joias, bijuterias e maquiagens. Acompanhava a tia Maria que vinha para a capital visitar a cunhada que era avó de Amarilis. Ela cresceu sem lembrar o motivo de chamar aquela prima de primavera. Ficou imaginando que poderia ser porque, ela vinha na primavera, mas poderia ser no inverno, ou no outono, nunca no verão. Tinha cinco anos, quando começou a nomear a prima com uma estação do ano, talvez já fizesse relação entre as cores e o perfume trazidos por ela com a época do ano em que as plantas florescem e exalam aroma sob um céu azul perfeito. A causa poderia ser mais simples, ela não conseguia dizer o nome da outra e resolveu batizá-la de Vera, bem menos inspiradora, mas prática como são as crianças.

No início da vida adulta Amarilis não teve relação próxima com a natureza. Árvores, terra, flores e outras manifestações da vida, não lhe interessavam. Não gostava de sujar as mãos plantando qualquer espécie, melhor contemplar nas gravuras e imagens. Mas tudo mudou com a perda da mãe, surgiu um espaço tão grande dentro do peito que ela não conseguia preencher, tentou ocupar com diversão, conversas, leitura, terapia, mas não adiantou. Resolveu esperar que o futuro lhe apresentasse alguma solução. Foi quando viajou para ver o mar e sem perceber começou a falar com o vento e as ondas, a sentar na areia e olhar para o horizonte. Nesses dias ficava mais na beira da praia do que na casa em que veraneava desde a adolescência e da qual pouco saia, mesmo com o mar tão próximo. Naqueles dias viu pela primeira vez o céu colorido num final de tarde, como uma tela na qual o aspirante a pintor tivesse deixado virar os vidros de tinta, laranja, rosa, vermelha, lilás e elas tivessem se espalhado pela superfície se misturando em algumas partes. Como era possível aquele fenômeno da natureza? Ficou olhando boquiaberta para o alto e depois para as pessoas esperando que alguém fizesse algum comentário sobre o espetáculo que se apresentava, mas os corredores de beira mar e banhistas agiam como se não fosse inusitado. Percebeu que tudo aquilo era tão grandioso que não cabia dentro dela e pegou a parte que precisava para ocupar seu vazio.

Depois de muito anos voltou a ver a prima, e desta vez foi ela quem lhe chamou de primavera e depois perguntou se ela lembrava. Amarilis nunca esqueceu. Guardou na sua caixinha de afetos, próxima do peito que se conectara ao ciclo das estações.

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Magda Souza

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