Perdoa a alma, revela a carne


Cris Netto

Ela chegou de mansinho. Primeiro, conquistou o filho. Enfeitiçou-o com os olhos da cor do mar. Em sua imensidão, ele se perdeu. Quando já não tinha mais o que sorver dele, foi para o pai. Fez-se de vítima, despertou o instinto paternal do homem, que a acolheu em sua casa. Tratou-a como filha, até o dia em que se viu, sozinho, à noite, com ela em seus braços. Era para ser uma brincadeira, mas ela já perderá há muito a inocência. O velho entregou-se e estava feita a segunda vítima de Valquíria.
Restava ainda a mãe. A matriarca viu os homens da família caírem em ruína por aquela bruxa, disfarçada de fada.Ela não seria tão tola.Valquíria tinha seus truques. Estava decidida a arruinar a família. E faria, de um jeito ou de outro. Aproximou-se da sogra, com jeito meigo, arrependido. Arrumava a casa, cuidava das compras do mercado, fazia os pratos prediletos. A mãe tentava manter-se vigilante. Valquíria era paciente. Não tinha pressa, tinha um objetivo. Seguiu seu plano até o fim. Aos poucos foi cansando a sogra. Que por fim, acreditou em sua inocência. Certa noite, lamentou a genuidade do filho, amaldiçoou a traição do marido e aceitou as desculpas da nora. Valquíria montou a mesa para o chá da tarde com a porcelana mais fina, os guardanapos de linho, a prataria reservada para os dias de festa. Serviu a xícara da sogra e, assistiu, placidamente, o fim da família que nunca a aceitou, mas a quem ela era prometida. Estava rica. Tinha alcançado seu objetivo. Estava vingada. E só. Um gato cruzou o seu caminho. Não tomou conhecimento dela.

deixe um recado | voltar

Cris Netto

E-mail: cristiane.snetto@gmail.com

Pageviews desde agosto de 2020: 3718

Site desenvolvido pela Plataforma Online de Formação de Escritores