Xamânica


Magda Souza

Estela havia chegado ao estado desejado. Passara bastante tempo desde que decidira ser zen. Não se mudara para um lugar distante do centro urbano, perto da floresta ou do mar. Continuava morando no centro da cidade, frequentando shoppings, bares e cafés, adorava cafés e as conversas que desenvolvia com as amigas ou com qualquer um que quisesse conversar nesses lugares públicos. Era tão bom poder estar entre o público depois da pandemia, sentir o calor dos outros, e agora percebia uma benevolência alargada, uma gentileza além da educação. Lembrava do dia em que desenhara o esquema no papel. Escreveu “estado atual” dentro de um retângulo. Ao lado, em outro retângulo, escreveu “como estou”. Depois, abaixo de uma seta vazada, o estado desejado. Optou por ser zen na velhice, buscar o tal do estado de elevação que a conduziria à conformidade e amenizaria o medo. Talvez até servisse como uma espécie de filosofia de vida. Sempre tivera dificuldades com regras, teorias, modelos filosóficos, religiosos e políticos. Era uma descrente e não queria se aprofundar nos ensinamentos do Buda ou outro profeta. Imaginou buscar o pragmatismo de todas as propostas de contato com o divino interior, experimentaria e se lhe desse a sensação de bem-estar, seria o caminho de encontro do equilíbrio.

Quando estava trancada em casa, na época do isolamento social, resolveu fazer terapia com uma amiga que estava fazendo um curso de terapias alternativas. Faziam as conversas, como todos, via aplicativo de telefone. Depois do relaxamento inicial, partiam para as respostas de algumas questões propostas no encontro anterior e finalizavam com mais questões a serem respondidas e recomendações para aliviar a rotina, como a prática da meditação, respiração consciente e o cultivo de afirmações positivas. Ficou durante alguns meses praticando as conversas. Escrevia no topo da folha de um dos diversos cadernos: “conversas com a Celí” e depois a lista de tarefas que ela ia solicitando durante o tempo do encontro, que sempre passava de um horário profissional. Entravam as falas não esperadas que elas permitiam, porque vinham da ligação antiga das duas.

Depois do isolamento social, resolveu ir para um daqueles lugares sagrados de energia espiritual. Não foi a Santiago de Compostela ou Machu Picchu. Foi para Tula, no México, visitar as ruínas Maias e Astecas. Quando estava andando no meio das colunas dos guerreiros toltecas no topo da pirâmide de Quetzalcoatl, o deus da serpente emplumada, confirmou que as civilizações antigas eram mais grandiosas, faziam obras gigantescas de difícil execução e de explicação quase impossível nos dias de hoje. Qual era a tecnologia desses povos para cortar blocos imensos, arrastá-los e empilhá-los? Teorias existiam, como a das rampas de cascalhos usadas na construção das pirâmides do Egito, feitas bem antes e em outro continente. Havia muitos lugares misteriosos neste planeta. Resolvera que não iria mais a nenhum deles. Era perda de tempo viver só em contemplação e recolhimento. Estaria nos lugares com diversão e pessoas com seus barulhos, equívocos e dificuldades de convivência.

Um dia passou a ver um contorno ao redor das plantas, animais e pessoas. Pensou que era por causa do fundo branco no qual se destacavam, mas em qualquer lugar conseguia enxergar o delineamento em volta dos corpos. E aquela sensação que muitos falavam de conexão com todas as coisas, ao ponto de sentir-se afetada com qualquer violência a qualquer ser vivo, exceto moscas, mosquitos e baratas, ainda que deixasse de alimentar sentimentos de repulsa ou medo por eles. Passou a observar a frequência vibracional das palavras, músicas, sons e silêncio e no quanto isso afetava os seres vivos, principalmente humanos. Quando falava com algum estranho em algum café percebia a recepção através da pulsação dos seus contornos e era gratificante ver a fosforescência quando se estabelecia uma sintonia. Passou a viver como se andasse por um caminho à margem. Tinha muito a aprender com as suas intuições, processos internos e com aqueles que encontrasse naquele território ocupado já por muitos outros.

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Magda Souza

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