Cartão de visita


Ana Helena Reis

Fazendo uma arrumação nas gavetas do escritório encontrei uma caixa de cartões comerciais. Abri com curiosidade, como se estivesse frente a reminiscências de um passado longínquo. No invólucro, a data de impressão: janeiro de 2018.

Olhando para aquele maço de papel couché impresso em três cores e com o canto redondo para acompanhar o logo da empresa, me lembrei de um tempo em que se mandava imprimir cartões comerciais, e do quanto custavam. Era necessário enviar a matriz em acetato que era a única referência das cores e layout para a reprodução correta. Com o avanço da tecnologia computadorizada, isso se tornou desnecessário e a arte passou a ser enviada por e-mail, o que diminuiu o custo e democratizou bastante a distribuição de cartões para os diferentes níveis de funcionários da empresa.

Para além desse aspecto, pensei no significado que os cartões comerciais carregavam. Durante mais de duas décadas, todo início de ano fazíamos um levantamento de quem, na equipe, precisava de cartões. Existia até uma certa rivalidade interna, pois solicitar um número maior de cartões era sinal de status; sinalizava o quanto a pessoa tinha relações com clientes e participava daquelas reuniões importantes em que cartões eram formalmente trocados.

Da mesma forma, os cartões de visita tinham um papel social importante. Não se pensava em enviar um presente a alguém sem um cartão pessoal com uma mensagem de congratulações escrita de próprio punho. Cartões de agradecimento para as pessoas que se manifestavam no caso de um falecimento, cartões deixados na caixa de cartas de alguém que procuramos e não estava em casa, enfim, os cartões representavam a nossa presença. A qualidade do papel, design, formato, cores, tipografia, com ou sem relevo eram sinalizadores do grau de refinamento de quem os portava.

Essas lembranças me despertaram a curiosidade de saber qual a origem do cartão de visitas. Uma rápida busca revelou algo que não imaginava: ele começou a aparecer no século XVII e, à época, não tinha o fim de representar algo ou alguém e sim uma espécie de compromisso. Nesse tempo era comum a existência de campeonatos de carteado, onde grandes apostas eram firmadas. Para assegurar que as dívidas fossem pagas, os competidores firmavam seus compromissos em um cartão com assinatura.

Ainda no mesmo século, foi na França que ele ganhou outro significado e se popularizou como cartão de saudação, com o objetivo de anunciar a chegada de de alguém às residências. Era colocado logo na entrada em uma salva de prata, para que o visitante fosse anunciado. O interessante é que manteve o padrão visual de uma carta de baralho e se tornou um elemento básico da elite, que foi sofisticando cada vez mais sua apresentação.

Seguindo uma linha de evolução, surgiram em Londres os primeiros “tradecards” ou cartões comerciais, que eram utilizados inicialmente como propaganda e mapas, pois na época ainda não havia um sistema formal de numeração de ruas.

E foi assim que, ainda no século XIX, os cartões assumiram as duas versões: cartão de visita e cartão comercial. Reinaram por mais de 2 séculos, com modificações decorrentes da revolução digital, mas mantendo seu papel tanto social como comercial.

Até que, em 2020, um fenômeno inesperado praticamente eliminou sua função. Acompanhando o movimento das empresas para o trabalho Home Office, a Pandemia transformou o que eram reuniões comerciais em meetings pelas plataformas de comunicação. Já às comemorações e encontros sociais cederam lugar aos eventos online. No caso de a compra e entrega de presentes e encomendas, os serviços de aplicativos e delivery das lojas passaram a ser a regra.

Em todos esses casos, a assinatura digital ou simplesmente o nome do remetente substituíram o cartão físico, e ele acabou indo para dentro da gaveta - ao que tudo indica, para sempre. O cartão perdeu seu status social, sua simbologia e função.

Essa é uma das mudanças que a Pandemia impôs, nos levando a repensar valores, necessidades e hábitos que não terão mais sentido daqui para frente.

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