Orgulho Cringe


Cris Netto

Descobri que sou Cringe, mesmo sem saber ainda o que este termo, que me remete aos grunges dos anos 80, significa. Resolvi assumí-lo como parte do meu repertório e escrevo abaixo a explicação de porque me enquadro nesta categoria dos seres humanos, aparentemente classificada pelos nativos dos anos 2000.

Cringe é aquele que usa emojis nas conversas virtuais(desenhos de carinhas expressando emoções). Eu não só uso, como transpus para o universo do meu filho essas carinhas, para ajudá-lo a expressar seus sentimentos em um mundo líquido e pandêmico. As carinhas ajudam na ludicidade e trazem vida para as conversas frias das telas de celulares e computadores. Duvido que alguém nunca tenha aberto um sorriso quando viu um emoji engraçado. Mesmo aquele sorrisinho falso, igual ao que você está dando agora, enquanto lê isso. A alegria, mesmo que artificialmente demonstrada, é uma das fontes da energia vital do ser humano. Crunge ou não, sempre quando sentir vontade, usarei uma carinha. Até porque, a língua escrita, por vezes, pode ser traiçoeira, e sem enxergar o rosto (ou o emoji), você dificilmente conseguirá interpretar o real significado de uma mensagem.

Cringes gostam de tomar café da manhã! Claro que sim, e quem não gosta? O aroma do café subindo do bule, o leite fervendo no fogão antes do que nós esperávamos, o estalinho no ovo na frigideira, o cheiro de bolo ou pão quentinho. Os ovolactovegetarianos que me desculpem e os não-cringe também, mas isso tudo remete à casa de vó e ao aconchego do colo de mãe. Para quem casou ou saiu de casa muito cedo, não gosta porque não entende a falta que isso faz no dia a dia da vida adulta. Envelheçam, e vocês darão valor a uma mesa posta no café da manhã.

Cringes não sabem usar o Tik Tok. Não sei, não quero aprender e tenho pena de quem usa. Seguir ritmos e fazer clipes para mera exposição nas telas, sem ter um motivo nobre por trás, escancara o vazio de dentro. Eu exponho minhas ideias, ofereço minhas palavras para reflexão e estou disposta a ser confrontada com ideias e com opiniões diversas e sadias. Não passo vergonha para os outros rirem e não preciso de um dedinho voltado para cima, me dizendo que sou legal. Se precisasse disso para sair da cama todos os dias, estaria precisando urgentemente de terapia.

Cringes gostam muito da Disney e de Harry Potter. Sim, claro que gosto. Vivo das palavras e como escrever para inspirar, sem ser viciada na imaginação e na fantasia. E por esse motivo, também assisto comédias românticas. Aumenta o repertório de casos e lugares para criar boas histórias, reais ou inventadas. Coitada da geração de meninos e meninas que estão sendo criados nos embalos dos mangás e nos desmandos malcriados da Peppa Pig, sem conhecer ou valorizar a importância de um conto de fadas na vida. Se já temos o cinza do mundo todos dias, onde vamos encontrar as cores, se não na fantasia e na beleza dos castelos da Disney? E queridos jovens, Wall Disney foi um empreendedor e tanto! Ele acreditou no impossível, criando um mundo imaginário, uma fortuna real e uma descendência descrente. Tudo que nasce grande, nem sempre morre grande. Foi porque ele incutiu na minha geração cringe o poder da fantasia, que conseguiu sobreviver por tantos anos vendendo o irreal e o imaginário.
Cringes reclamam muito da geração atual. Claro que sim. Infelizmente é uma geração que está sendo criada longe dos valores da fé. Cresceram valorizando o presente, sem perceber que a riqueza construída pelos antepassados não é material, e sim, vivencial. Nosso repertório humanitário começou a ser construído na nossa ancestralidade e de geração em geração, nossa tendência era evoluir, valorizando e melhorando o que já exisita, e não reinventando a roda a cada pedra do caminho. Aproveitem o momento presente para ousarem, criarem, existirem, mas não esqueçam nem de onde vieram e nem o que querem deixar de herança. Legado se constrói em vida, não depois que viramos pó.

Cringes gostam de ter livros e mídias físicas! Claro! Você consegue emprestar um Kindle para alguém? Cheiro de livro novo, aspereza do papel na mão, revisitar marcas em folhas amareladas, conhecer a musicografia do artista no encarte do CD, ler a sinopse do filme na capa do VHS e ficar horas dentro de uma videolocadora. Tudo isso são pequenos prazeres de uma geração que pouco ou nada precisou de Rivotril para dormir aos 14 anos. Uma geração que idolatra os anos 90 porque podia brincar na rua, correr na praça, jogar bola com goleira de lata ou chinelo, andar de bicicleta sozinha na rua e que sabe o gosto de tirar as rodinhas da bicicleta. Somos saudosos não porque não valorizamos o presente, mas sim, por acreditar que quem teve essa base é melhor preparado para seguir neste mundo atípido e em constante mutação. Aprendi a esperar a minha vez de falar, a guardar para poder comprar, a limpar o que eu sujei, a guardar o que usei. Não fiz dos meus pais empregados, mas aprendi com eles a dignidade do começar pequeno para crescer.

Ser cringe pode ser ultrapassado para alguns, mas para mim, ser tudo isso e ter vivido por 40 anos desse jeito é e continuará sendo motivo de orgulho. Só não vestirei camiseta do #orgulhocringe porque meu minimalismo não permite e ela provavelmente não combinaria com minhas sapatilhas redondas.

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Cris Netto

E-mail: cristiane.snetto@gmail.com

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