Tremular

Ana Helena Reis

Ouvia um assobio fininho que parecia um aviso dele - estou entrando.
O pavor de não ter para onde fugir, como me esconder mais do que já estava escondido, fazia meu coração ir parar na garganta, aos saltos, como se a qualquer momento fosse se lançar para fora. Fazia força para me manter na mesma posição e respirar bem de levinho, na esperança de que, assim, minha presença não fosse percebida por ele.
Tentava fechar totalmente os olhos, para não ver o que iria acontecer, mas era mais forte do que eu - o cantinho do olho direito teimava em abrir, atraído por aquela imagem tremulante dele, que crescia e se contorcia, ora se aproximando de mim, ora recuando.
Tomava diferentes formas, por vezes abrindo e alongando os braços para me pegar como um polvo. Em outras, abria a boca de forma descomunal para me engolir. Tinha momentos em que sentia sua proximidade, estava quase pegando o meu pé. De repente, crescia até o teto como um balão, talvez para me sugar inteiro.
Pensava em sair correndo dali, mas não tinha coragem – teria que passar na frente dele.
A única saída era esperar que ele, por não me achar, acabasse desistindo. Tinha certeza de que só podia ter vindo para me levar embora, passando por aquela viela escura do lado da casa da minha avó, onde eu estava morando por um tempinho.
Imóvel, tentava entender, com toda a concentração possível aos meus 4 anos incompletos, por que ele só vinha à noite. E não era qualquer noite; gostava daquelas com vento forte, talvez porque soubesse que eu iria acordar e escutar o seu chamado.
Não sei dizer quanto tempo ficava ali sem me mexer, mas eu sabia que minha salvação era continuar estático, imperceptível.
Finalmente era vencido pelo sono; quando abria os olhos ele já tinha partido. Minha mãe entrava no quarto e suspendia a veneziana antiga, que gostava de deixar semicerrada à noite. A luz de rua tinha sido apagada, e um lindo sol brilhava agora por entre os galhos da árvore que ficava entre o poste e a janela.

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