Sol da meia-noite

Soraya Jordão

“Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos”
Clarice Linspector

Hoje depois de aceitar fazer um programa de domingo detestável, passar horas sorrindo nublado e ruminando a raiva de não ter conseguido dizer um simples não, me pergunto onde aprendi a me deixar de lado, a mascarar meu tempo?
Não sei, talvez as palmas animadas da minha mãe para as minhas primeiras gracinhas ou até mesmo os infindáveis pedidos de repetição das minhas proezas para deleite das visitas que chegavam, acompanhados de seu sorriso de primavera tenha confundido meus radares.
Não, não pode ter sido isso. Eu adorava ser o seu outono.
Talvez essa tenha sido a maldição. Era tão bom ser exatamente o que ela queria que eu fosse, que ser eu mesma era um risco a se considerar.
Lembro da dor que me invadia quando ela dizia: isso é feio. Mamãe está triste.
Nessas horas o sorriso fechava junto com o tempo e a garoa saía pelo olhar. Odiava profundamente essa minha face ingrata escondida debaixo da marquise. Logo, eu saía dali para enfrentar a tempestade, acabar com o inverno e reconquistar meu céu de brigadeiro.
Com isso, pouco a pouco meus raios de luz foram perdendo seu reflexo. Não que me fosse imposto ou solicitado, eu que fui aprendendo a me fazer neblina.
Depois veio a escola e as implicâncias diárias por conta das gordurinhas autodeclaradas.
Para todo choro de revolta genuíno, um conselho feito nuvem grande no céu: Não dá bola. Finge que não liga que eles param.
No amor também tinha conselho, mas do tipo ventania: Não demonstra envolvimento, disfarça o ciúme, não cobra atitude que eles não gostam e pulam fora.
Finge. Disfarça. Cala. Aceita. Nebline-se.
Por fim, tempo virou e a estação mudou. Já é noite, mas o sol está nascendo aqui dentro. E não tem tempestade que ameace meu sol da meia noite.
Como diz o ditado: Neblina baixa, sol que racha.
Enfim, é verão em mim.

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