O Quarteto


Ana Helena Reis

Os quatro se sentaram no bar para um Happy Hour, que era de praxe às sextas-feiras.

Como sempre, 03 se adiantou e tomou a palavra:
— Pessoal, o negócio é o seguinte: vamos aproveitar a vida e não ficar fazendo muita conta. Daqui a pouco tempo a coisa vai pegar – cinquentões, com dor na perna, cabelo branco, aquela vidinha de executivo e ainda pra finalizar os compromissos sociais chatíssimos à noite. Eu sugiro chutar o pau da barraca e tirar pelo menos um ano sabático, rodando o mundo de mochila, como sonhávamos na adolescência.
02 deu um salto:
— Como assim rodando o mundo ... pirou? Acho que temos que analisar essa questão do envelhecimento com a razão, não assim, deixar correr solto um projeto irresponsável. Qual o plano para esse ano sabático? Viver do que? O que fazer da família? Temos um compromisso aí, não é assim, cair fora um ano e tudo bem.
04 tomou a palavra:
— Calma pessoal. Não há razão para esquentar a conversa. O importante é pensar em sintonia, analisar todos os ângulos da questão, para quando os cinquenta baterem à porta sabermos que rumo tomar. Do meu ponto de vista, a possibilidade de abraçar essa aventura é tentadora. Mas temos que pensar também no lado prático – como operacionalizar isso? Quais as barreiras a enfrentar? A vida nômade implica em uma série de mudanças de comportamento a ponderar:
— Dá para abrir mão do trabalho atual e, consequentemente, dos rendimentos, por um ano?
— Tudo bem perder a mordomia de casa? almocinho na mesa, comida lavada e passada no armário, caminha arrumada e cheirosa...
— E a esposa – vai esperar? vai curtir essa decisão sem espernear? Ou já não estamos nem aí pra ela?
01, que até o momento não tinha se manifestado, tomou a palavra e sugeriu:
— Vamos tentar trabalhar um pouco com o que desejamos viver nesse futuro, mas de um ponto de vista mais profundo. O que vale a vida para vocês? Pra mim, a relação com as pessoas é o que faz a roda girar. Os vínculos de afeto que construímos, o calor de um abraço sem palavras. Um olhar doce de cumplicidade, a palavra de carinho quando tudo parece estar desabando. É acordar e ainda ver, naquela pessoa que está do seu lado na cama, a menina por quem você se apaixonou. Pra mim o emocional é que pega.
02 responde primeiro:
— Gente, pra mim a coisa de chutar o pau da barraca pesa. Sempre fui um cara controlado nos gastos, tudo planejadinho e na planilha de Excel. Não corro riscos, sou daquele tipo de investidor que o banco sugere a poupança, sabe? Sinceramente esse controle acho que me guia, me dá segurança.
Chega então a vez de 03 se manifestar:
— Bem, eu sinto uma falta enorme de sair da caixinha, sabe como é? De viver outras experiências, essa roupa que visto hoje não me cabe mais. Estou indo pros cinquenta, já fui todo certinho até agora e fui feliz assim, mas tem muita coisa que ainda não vivi e quero viver. Acho que essa inquietude é o que me move.

04 olha pensativo para a mesa, toma lentamente mais um gole de whiskey e chama o garçom, que se aproxima:

— Desculpe, seu Reginaldo, quer fechar a conta ou o senhor está esperando alguém?

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