Banco da praça


Ana Helena Reis

Os bancos de praça fazem parte de um mobiliário urbano muito comum, que data do século XIX. Além de seu papel funcional, sempre tiveram uma conotação social importante.

Foram alvo de letras de música, poemas e contos por se prestarem a uma atmosfera romântica. Abrigaram casais enamorados trocando beijos e mãos; serviram de assento para observadores do vai e vem dos passantes; pouso para os passarinhos buscando migalhas deixadas pelo último usuário, e sombra para cachorros abandonados.

Acolheram crianças brincando de pular do banco ao chão, adolescentes largados de cansaço no caminho da escola para casa, senhores de idade dando seu passeio matinal, entregadores fazendo uma pausa na jornada, e os que não tinham onde passar a noite.

Em tempos de Pandemia, com as restrições que se impõe para tentar segurar a propagação do vírus Covid-19, ele passou a ser o espaço público mais disputado para se tomar uma fresca, mesmo que de máscara. Encontrar um banco de praça vazio é um verdadeiro luxo! Aliás, isso quando a praça não está cercada por tapumes, ou por aquela fita amarela e preta, impedindo a entrada. Só poder se sentar por algum tempo e contemplar a paisagem, já é uma benção divina para a maioria daqueles que, antes da Pandemia, nem pensavam em se sentar durante a tarde em um banco de praça.

Foi numa tarde dessas que Dayse, munida de seu violão, garrafinha de água e uma maçã, se dirigiu à praça do bairro que estava com acesso liberado. Logo ao chegar, foi à procura daquele banco de madeira com encosto, que passou a ocupar toda a tarde por algumas horas. Tinha escolhido a dedo esse banco, pois além de ser mais confortável do que os de concreto, tinha duas vantagens: era um pouco afastado, então podia tocar seu violão de uma forma mais privada; tinha uma localização privilegiada, pois era ligeiramente sombreado e com uma vista privilegiada do pôr do sol.

Qual não foi sua surpresa, porém, ao chegar ao “seu” banco – uma família havia se instalado, ou melhor, parecia ter chegado de mudança para lá. Um casal com duas crianças e um cachorro, que se engalfinhavam ali por perto. Mas isso não é nada; embaixo do banco, Dayse divisou uma cesta de piquenique e um cooler de bebidas. Franziu a testa. Não era só uma sentadinha rápida que, se ficasse um pouco em pé ao lado, constrangeria o grupo e faria com que eles não se demorassem muito. A situação, de fato, é que ela teria que lidar com a questão de posseiros no seu banco.

Resolveu dar uma volta para pensar em uma estratégia. A primeira ideia foi sugerir às crianças que brincavam naquele balanço, do outro lado da praça, que ali perto tinha dois amiguinhos sem companhia e que seria legal se eles os chamassem para balançar junto. Ideia infalível, pois logicamente os pais, zelosos como pareciam ser, as acompanhariam.

Lá foram dois emissários convidar as crianças e, um pouco afastada, ela esticou o ouvido à espera dos gritos de alegria que, logicamente, as crianças dariam com o convite. Já antevia a debandada geral do “seu” banco e o bote que iria dar para retomar a posse.

De boca aberta, ouviu as crianças confabularem com os pais e aí veio o veredicto: agradeceram, mas os pais avisaram que dali a meia hora iriam começar o piquenique, então preferiam ficar com eles.

Dayse cravou uma mordida em sua maçã, olhou para o relógio, colocou o violão no chão e sapateou um pouco para ver se caia do céu uma outra ideia genial. Nesse meio tempo, os bancos foram sendo tomados, tanto os de madeira como aqueles mais simples de concreto. Isso significava que as chances da família mudar de lugar iam ficando cada vez mais remotas. Aliás, quem iria querer sair do “seu” banco, já que ele era o melhor da praça?

Tentou então uma cartada: ficar atrás deles, no canteiro e começar a tocar e cantar. Teria uma chance deles acharem que ela estava incomodando, não gostarem do som, e levantarem acampamento em busca de um outro banco, em lugar mais silencioso.

Foi se aproximando, se localizou embaixo do Chapéu de Sol bem atrás deles e pensou em uma música Pop, daquelas com uma batida forte, para poder soltar bem a voz. Escolheu um sucesso do momento: Watermelon Sugar, do Harry Styles. Apoiando o pé em um galho da árvore, detonou o som!!

Não demorou nem até o final do primeiro refrão, para que o casal se levantasse. A mãe permaneceu em pé, enquanto o pai corria para chamar as crianças. Dayse aumentou ainda mais a voz, imaginando que agora era só pegarem a matalotagem e vazarem dali.
Logo se viu rodeada pela família. Assustada deu uma paradinha na cantoria, para evitar o linchamento. Olhou para a turma. Aguardou o desfecho. Estranho...estavam todos sorrindo para ela.
As crianças tomaram a palavra:
— Moça, a gente amaaaa essa música! Lá em casa meus pais colocam no Youtube, e todo mundo canta e dança.
A mãe toma a palavra:
— Como é o seu nome, querida? Venha, sente aqui no banco para ficar mais à vontade. A gente senta ali na grama enquanto você toca. Se importa se as crianças também cantarem? Você tem uma voz tão linda!
— E vai tomar um lanchinho conosco, já está resolvido. Eu trouxe um bolo caseiro de cenoura que é especial!

É... O banco da praça, na Pandemia, também resgatou o “nosso”, que já andava esquecido.

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