O retrato


Cris Netto

Ele olha para a mãe. O corpo enrolado no roupão, os olhos cansados, mas que emitiam um sorriso discreto, porém sincero. Indícios de uma noite fria, insone, porém feliz, de um tempo que não volta mais.

Desvia o olhar para o bebê. Não se reconhece naquela figura frágil, pequenininha, dormindo serenamente no colo da mãe. Por quantas vezes procurou pelos seus braços, seus olhares, seus carinhos? E sempre encontrou. Encontrou todo o amor que sempre precisou. .Até mesmo nos dias mais difíceis, em que o mundo parecia estar de cabeça para baixo, ele tinha aquele olhar, aqueles braços, aquele colo a lhe esperar.

Amanda entra no quarto e diz que precisam ir. O hospital ligou e querem falar-lhe. Ele pega o retrato que admirara até então e sai de mãos dadas com a esposa. Agora é ela quem carrega um filho no ventre.A próxima mulher que ele verá enrolada em chambres e com olhos baços de cansaço e solidão. Será mais presente do que fora o pai. Assim prometera para a mãe. Ela queria ajudar, mas sabia que tampouco estaria ali quando aquela criança chegasse. A barriga de Amanda começara a crescer e ele a achava linda. Cada dia mais linda. Assim como sempre achara a mãe bela.

Já no carro, entrega a chave para Amanda. Não sabe se conseguirá dirigir. A emoção de voltar à casa materna depois de tanto tempo o pegara de vez. Tinha sido muito feliz ali. E ve-la agora vazia, sem vida, sem luz, sem flores e brinquedos, o tocara mais do que ele imaginava. Amanda consentiu e seguiram em silêncio até o hospital.

No corredor, em frente ao quarto onde sua mãe jazia, ele olha para o médico, mas já não escuta. Desvia o olhar para o retrato. Uma lágrima escorre. Amanda o abraça. Ele ss solta do abraço gentilmente e entra no quarto. Olha para a mãe, ollha para o retrato. Não é a mesma pessoa, nem ela, muito menos ele. E por uma última vez ele deseja aquele colo, aquele olhar, aqueles braços a envolve-lo. O bip dispara, o médico e Amanda entram. O filho chora. O choro solto do bebê, agora é o choro do órfão. Um ciclo se encerra. Olha para Amanda, que também chora. Agora já não é mais filho. É pai. Precisa ser a fortaleza que sua mulher e seu filho precisam. Mas amanhã, por hoje ele é apenas o filho sem sua rocha a lhe proteger.

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Cris Netto

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