Medo de chuva


Ana Helena Reis

“As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças” – Manoel de Barros

— Mãe, tá aguando lá fora, deixa eu sair?
— Sair pra que, menina? Vai se ensopar e acabar ficando resfriada. Negativo.
— Mas é gostoso, deixa vai?
— Se você me der três motivos realmente importantes para querer tomar chuva eu deixo. Mas tem que me convencer de que vale a pena o resfriado que vai pegar depois.
— Já ganhei! Olha só:
— Quando a gente tá assim com o corpo quentinho, de roupa seca, meia e sapato e dá uma corrida pro meio da chuva, é como se a gente fosse de papel. Vai murchando, grudando na roupa e o friozinho vai entrando por dentro da calça, escorrendo pela perna. O sapato enche d’água e afunda na lama; a gente mexe os dedos e choc, choc; a lama vai entrando e daí já a gente não consegue mais sair de lá, vira uma árvore! E pode abrir os braços, fechar os olhos e balançar com o vento, pra fazer a dança da chuva.
— Quando a gente tá assim, com a cabeça sequinha, o cabelo que a mãe acabou de pentear e toma aquele aguaceiro, tudo escorre; a gente não fica mais triste do cabelo ser feio; não tem mais medo daquele pentinho de pegar piolho, e nem dos elásticos pra prender as tranças; e se a gente mexe a cabeça, e ele vai fazendo cosquinha.
— Quando a gente tá assim, de boca aberta de susto quando o vento joga aquela água toda na cara, começa a engolir a chuva; e ela tem gosto de festa! A gente deixa a água encher a boca, e se tiver alguém do lado, o legal é cuspir toda a baba na cara dele.
— Quando a gente tá assim... – nem deu para terminar a frase – a porta da sala se abriu e ela se jogou no aguaceiro.

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