Apagão


Ana Helena Reis



Final do dia, Alice abre o portão e se dirige lentamente à estação para tomar o ônibus como fez a vida inteira para voltar do trabalho para casa. Espera estar lá ainda com dia claro, e com tempo para preparar o ensopado de carne com molho feito com vegetais e cerveja escura, que serve com bolinho de massa de pão. Essa é uma especialidade Tcheca que aprendeu com sua mãe, e que gosta de servir para a família no jantar.

Relembra que até Ohrada serão 10 paradas e mais uns 15 minutos a pé, para chegar no prédio onde mora com a filha e netos.

Mentalmente reconstitui a figura de cada uma das pessoas que encontra nesse horário. O senhor de mãos calejadas, que esteve a trabalhar na construção daquele edifício ao final da rua; duas garotas que acabaram de sair da aula de violino e tagarelam sobre as novas partituras que receberam; uma velhinha com sua sacola de compras, que que vai ao mercado diariamente nesse horário e salta três pontos à frente.

Devem estar na estação e é sempre bom conversar um pouco, tem se sentido muito só.
Olha para um lado, para o outro, e subitamente fica em dúvida sobre que direção seguir para chegar à plataforma. Um pouco atordoada, pois sempre soube o caminho decor, sente a cabeça latejando, se agasalha mais dentro do casaco de lã, puxa o gorro mais para frente da cabeça, enrola melhor o cachecol de tricô e, ainda hesitante, segue pela direita. Estranho estar ainda tão frio, Praha não costuma ser frio nessa época do ano.

Vai andando devagar, as pernas pesadas a levando para cada vez mais longe. Olha ao redor, não reconhece nenhuma daquelas portas. A calçada parece se estreitando e figuras assustadoras começam a vir ao seu encontro. Não reconhece nenhum de seus companheiros de percurso. Aquele senhor elegante ali não se parece com o seu amigo trabalhador, nem muito menos a mocinha com a sacola de compras, que de tão apressada quase lhe dá um encontrão – seria tão bom se algum deles estivesse ali para ajudá-la!.

Se encosta na parede, olha para todos os lados e não distingue nada familiar. Procura ler a placa da rua que está à sua frente, mas não consegue; se ao menos estivesse em Tcheco como sempre esteve seria mais fácil - porque será que mudaram?

Exausta, se encolhe e chora. Os pensamentos em redemoinho; a imagem da família esperando por ela para preparar o jantar é cada vez mais angustiante – não quer decepcioná-los, precisa chegar logo em casa.

De repente uma moça, aflita, corre ao seu encontro e a abraça:
- Oh! Babička querida, saindo sozinha de novo! Foi um descuido nosso, que perigo!
Sorrindo em meio às lágrimas, ela retribui ao abraço:
- Ai minha filha que bom que você chegou, eu não sei o que aconteceu. Acho que mudaram alguma coisa na cidade, e o pior, o povo nem está falando Tcheco, não é estranho ?
- É mesmo, venha, vou te ajudar, vamos para casa. Sua neta preparou com aquela sua receita de Guláš com Knedlíky que você tanto gosta e pediu para o jantar.

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