Catequese, pecado e desenhos: Abstraindo sobre o livro “O Vilarejo”


Vitória Zaj

Quando eu era criança minha mãe foi catequista, uma vez por semana ela me levava para as aulas e lá eu me distraia fazendo desenhos com giz. Certa vez, minha mãe leu uma passagem da bíblia sobre o sacrifício de Issac. Eu desenhei na lousa o sacrifício, bem grande e com uma cruz enorme no local. Não sei como descrever o pavor da minha mãe diante da figura sorridente de Abraão com uma faca na mão apontando para o filho, Isaac.

Acho que isso foi um dos meus primeiros passos como criadora de conteúdo macabro. Mas o objetivo do presente texto não é falar sobre mim e minhas brincadeiras bizarras ou sobre como a bíblia pode ser um tanto assustadora quando ilustrada por mim. Vim fazer uma resenha sobre um certo livro que fala sobre pecado, cada um tendo um conto dedicado para si e recheados de desenhos na vibe do seu Abraão. Vim falar sobre “O Vilarejo” de Raphael Montes.

O livro do seu Raphael nos traz sete contos curtos de terror, cada qual embasado em um demônio responsável por evocar um pecado capital nos seres humanos. A grande sacada do escritor é que essas narrativas curtas se entrelaçam formando uma história maior e mais complexa. É importante frisar que cada conto possui o seu próprio conflito, porém o conjunto destes forma uma imensa bola de neve que não permite o leitor pensar em outras coisas além do mistério do vilarejo. Porque, Jesus, o que tá acontecendo com aquela gente?

Para dar aquele plus a mais de curiosidade na gente, Raphael Montes escreve no prefácio da obra que a narrativa provém de uma senhorinha simpática que morreu a poucos meses e que deixou uma extensa coleção de livros, onde foram encontrados três cadernos escritos em língua ciméria e repletos de ilustrações de violência extrema. É aí que o seu Montes nos ganha, a partir do momento que deduzimos que poderia ser um relato real. O livro nos presenteia com uma série de ilustrações macabras, violentas e perturbadoras, além dos contos sangrentos.

Chega a ser satisfatório ver como os contos se encaixam perfeitamente entre si, a narrativa de Raphael Montes não possui furos, tudo é coeso e sem rodeios. Diferente das minhas crônicas. Risos. Além disso, Raphel nos apresenta personagens profundos e bem trabalhados, não há mocinhos ou vilões, a maldade está presente em todos. Desespero aqui. E o enredo e a maldade de cada um se embolam em uma espiral de eventos que levam ao fim do vilarejo, e isso nem é spoiler, tá lá no prefácio. Pode conferir.

Li em algum lugar que as pessoas não tem coragem de ler os livros do seu Raphael. Eu ri na cara do perigo, não liguei. Fui lá, bem inocente e li. Fiquei deveras apavorada, não sabia se continuava ou não. A curiosidade venceu e valeu a pena, o escritor entrega uma obra de excelente qualidade, não deixa nada a desejar em sua promesa. “ O Vilarejo” é perturbador, o tipo de livro que você não consegue ler em um dia, mesmo ele tendo apenas 96 páginas. Canibalismo, corpos mutilados e podridão, só para dizer o mínimo. É preciso tempo para digerir a crueldade humana ali presente. Você sente raiva, dor, pavor e tristeza, não sai ileso.

Desta forma, caso você tenha problemas com assuntos sangrentos, que sabe que vai acabar tendo pesadelos, não leia. Ele não vai te decepcionar nisso, vai por mim. Mas se você não tem problemas relacionados a isso, não vai se arrepender de adquirir seu exemplar. E ainda, se você for escritor, nossa, esse livro é uma escola de como criar um bom conflito e a sua camada de estranhamento.

Bom, essa foi a minha tentativa de resenha. Tentei não ser muito acadêmica, né meninas? E esse foi mais um passo meu e minha trajetória de criadora de conteúdo macabro de qualidade neste vilarejo chamado internet. Beijos de luz.

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