Idas


Vitória Zaj

Faz tempo que escrevi uma página de diário. Nunca publiquei o exercício, mas de alguma forma os sentimentos do ano passado ainda ressoam fortes, ainda mais nessa véspera de carnaval. Por isso, compartilho com vocês o seguinte relato:

Querido Diário,

Tenho me lembrado de minhas idas à capital, Porto Alegre, com frequência. O fato ocorre de minha total reclusão em Viamão, cidade da região metropolitana onde antes da pandemia servia apenas de cama para o meu corpo. Entenda que não reclamo de minha cidade, afinal jamais faria isso, gosto muito daqui, do ar puro, do mato e do silêncio. Mas tenho sentido falta da capital, situação que parece piorar com o lançamento de mais uma Feira do Livro, online mas ainda assim feira.

Acontece que nutri uma rotina anual há anos, sempre soube que com a chegada de novembro junto acontecia a Feira do Livro e às vezes a Bienal do Mercosul. Mas esse ano foi diferente, um vírus apareceu de penetra no calendário de todo mundo. E eu que vivia nas ruas de Porto Alegre, descendo a falecida Rua da Ladeira e que nunca deixava de ir aos museus da Praça da Alfândega, me vi enclausurada em casa. Porém, para afagar minha saudade e ignorar meus medos, passei a escrever umas noveletas cujo o cenário era Porto Alegre, mas não a cidade como todos conhecem. Descrevi o mundo que eu via quando eu era criança.

Foi retomando esse mundo que encontrei em minhas memórias o registro de minha primeira Feira do Livro e consequentemente minha primeira ida ao museu. Vou ser sincera, diário, não sei se essa memória é de inteira confiança, é capaz de ser apenas um somatório de registros meus que por acaso acabaram guardados em uma mesma pasta em meu cérebro. Nesse registro consta minha mãe me colocando em seu colo e nossa ida de ônibus para o centro de Porto Alegre. Naquela época, o terminal da linha de Viamão ficava próximo à alfândega, portanto assim que descemos já estávamos próximas da feira. Eu fui toda faceira pela rua, abanando para o Memorial do Rio Grande do Sul, pois eu jurava que ali teriam bruxas que eram primas minhas.


Não lembro se lanchamos, mas recordo de minha mãe comprando um dos meus primeiros livrinhos, era sobre uma família de coelhos e suas ilustrações se abriam revelando mais outras. Da compra, seguimos para os Museus e minha mãe deu trela para minha imaginação, confirmando que os retratos expostos eram todos de bruxas. No Memorial, após insistência minha, subimos em um terraço e ali conseguimos enxergar a praça e o terminal de Viamão, lembro de minha mãe apontando para um dos ônibus branco com linha azul e dizer:

— Olha Toia, perdemos o nosso ônibus — disse enquanto erguia meu corpinho.

Aquele não foi meu último ônibus perdido em Porto Alegre, até o último dia em que frequentei a capital, perdi um ônibus pelo menos. Mas, embora tudo tenha passado do ponto, eu encontrei novamente uma linha segura para Porto Alegre. A minha linha se tornou a escrita, e quando escrevo retomo às bruxas de minha infância. Minhas palavras talvez sejam hiperbólicas e fantasiosas, mas que os leitores me perdoem, elas são frutos da mente de uma criança que sente falta da magia dos pequenos passeios.

Com amor,

Vitória (Toia).

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