Meu primeiro PC


Ana Helena Reis

Tinha comprado um computador doméstico da IBM (como eram chamados os PCs, na época) e a sensação de orgulho foi igual à de uma adolescente com seu primeiro soutien. Desembalei com todo o cuidado e o coloquei na mesa do escritório, já preparada para receber o equipamento mais moderno do momento.

A tela era um tubo grande em que, ao ligar o botão de energia, aparecia piscando um sinal cor de abóbora. Mas qual não foi a minha decepção - ele não fazia nada além disso: piscava, piscava, e nada de aparecer um local para eu digitar. O que fazer agora? Liguei e desliguei várias vezes, teclei todos os comandos que achei e nada. Comecei a ficar enfurecida – porque comprei essa porcaria se ela só pisca?
Passada a fúria resolvi pedir ajuda. Liguei para um amigo que era craque em tecnologia e expliquei o problema. Que mico! gargalhando, ele disse:
- É só introduzir o disquete de instalação do MS-Dos e do editor de textos MSX-Word.

Fingi que tinha entendido e que, lógico, fora uma distração minha. Lá fui à procura dos tais disquetes, nada. Revirei tudo na caixa do computador, mas nem sombras de disquetes. Não tive outro jeito senão ligar novamente.
- Mas cadê esses disquetes? Não encontrei na caixa do computador, já revirei tudo!

Escutei mais uma gargalhada, pois aí ele percebeu que eu tinha comprado o hardware mas não o software.
Hum? totalmente grego para mim essa linguagem. Me sentindo uma anta, lá fui eu comprar o diabo do software e retornei para alimentar o Monstro Sagrado. Eureka! Para o meu delírio, aquelas letrinhas cor de laranja começaram a povoar a minha tela, de uma forma quase sobrenatural.

Comecei, então, a digitar minha dissertação de mestrado. Até o momento ela estava sendo redigida em uma máquina de escrever Facit, que eu achava ultra moderna. O grande avanço desse modelo é que ela tinha uma fita corretora para poder apagar os erros de digitação. Mas o pessoal acadêmico já estava começando a usar o computador e eu queria entrar nesse novo universo tecnológico.

Passei dias lá sentada, deslumbrada, pois junto com o computador eu tinha comprado também uma impressora Epson, a coqueluche do momento. Ela era o que se chamava de impressora matricial, alimentada por um rolo de papel dentado, que se comprava em grandes caixas.

Feliz da vida, fui produzindo e corrigindo o meu texto. Nunca poderia imaginar algo que pudesse ser apagado e refeito assim, só apertando uma tecla delete. Aquela tela preta com letras abóbora passou a ser a minha melhor amiga, aquela que entendia o que eu queria escrever e, às vezes, corrigia meus erros de digitação automaticamente. Chegava até a colocar vírgulas quando achava que deveria!

Mas, mesmo que a parte da redação fosse hightech, escrever uma dissertação implicava em muita pesquisa bibliográfica, muita leitura. A minha nova amiga podia dominar perfeitamente o português, inglês e até outras línguas, mas não tinha cultura alguma – sua memória abrigava somente o que eu escrevia ou o que introduzia nela pelos disquetes. Onde estavam os livros, as teses de colegas, enfim toda a literatura que eu tinha que consultar? Infelizmente minha amiga não conversava com o resto do mundo, só comigo. Essa exclusividade era lisonjeira, mas... me obrigava a continuar frequentando a biblioteca da faculdade.

Terminada a primeira versão do material, lá fui eu com o que havia impresso, para entregar ao meu orientador. Sim, porque apesar de poder gravar o arquivo digitado em um disquete, não havia como enviar eletronicamente o material.

Estávamos na década de 80 e ainda distante do dia em que a Internet se tornou acessível aos computadores por linha discada. Lembram-se daquele sinal irritante de discagem e a ansiedade de esperar a conexão? isso só aconteceu depois, nos anos 90. Muito menos o celular, que só apareceu no final de 1990. Toda comunicação era feita pelo telefone fixo ou pessoalmente.

Depois de inúmeras revisões, cheguei à versão final e ao momento de montar a defesa oral da tese. Tinha que preparar um material visual, gráfico, para sustentar a minha fala, e para isso comecei a montar as transparências – isso eu teria que fazer à mão mesmo, pois não havia nenhum programa, nesse maravilhoso computador, que permitisse produzir alguma coisa semelhante. O que hoje fazemos em dois tempos num PowerPoint, era coisa de ficção científica. Folhas de acetato, canetas coloridas para retroprojetor e mãos-à-obra.

E foi assim que consegui o meu título e uma dissertação encadernada, que passou a habitar a biblioteca.
Hoje, pensando nesse meu primeiro computador, me vem uma certa nostalgia de alguns prazeres que perdi, a partir do momento em que fui incorporando mais e mais tecnologia à minha vida.
Escrever à máquina podia ser mais trabalhoso, mas aquele som metálico das teclas e as folhas que iam se acumulando para revisão eram um sinal de que a produção estava caminhando. Parar um pouco para olhar a folha que estava na máquina, já meio preenchida, ajudava a organizar as ideias. O computador trouxe uma divisão temporal entre escrever e imprimir, provocando um distanciamento do autor em relação à sua produção.

O cheiro inconfundível do papel que sai dos mimeografadas à álcool e que transformava os slides de acetado em material impresso colorido davam a sensação de criatividade estética, de uma produção quase artística cuidadosamente elaborada.
Já as idas e vindas à biblioteca rendiam trocas de informações com colegas, um apoio mútuo para aqueles que tinham que passar por um momento estressante e solitário, como é a produção de um trabalho acadêmico.

Em 4 décadas de evolução tecnológica, tudo isso parece um relato sobre a idade da pedra, mas posso dizer, tranquilamente, que valeu a pena viver essa época.

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