Falta


Vitória Zaj

Sinto falta dos museus, dos rebocos e dos cantos. A cada quinze dias eu desbravava novamente o MARGS, olhava a falecida Rua da Ladeira e prometia um tour católico ao meu noivo. Não que eu seja católica, tenho até medo de igreja, mas eu sou contraditória. Ou era. Sinto falta de ser.

Gostava de tirar foto dos cantos dos museus, dos fios elétricos expostos, das vistas para o Guaíba, do escuro. O frio dos azulejos verdes me inspirava e eu transpirava. Eu catava pontos vermelhos nos sebos, buscava livros de anatomia, olhava monumentos, sentia Porto Alegre. Tudo era história, conto, inspiração. Hoje o mundo se resume a minha janela, ver a vizinha receber o Sedex não me inspira em nada.

Me remoo de saudade de descer no Menino Deus, sentir o sol na minha cara e meu corpo fervilhar de felicidade nas aulas de escrita, eu entrava muda, saída calada. Hoje não consigo nem sequer calar a boca, a amargura de meus textos mora agora na minha língua, não uso mais papel ou teclado. Gostava de quando eu era pura piada, das andanças na Cidade Baixa, de rir com minha amiga bruxa e ir em suas exposições. Sinto falta de mim na madrugada, tomando chuva na porta do pub, do escuro das festas e das coreografias mal planejadas.

Sinto algo se perder dentro de mim, não tenho mais pesadelos porque acordar nessa situação já é um. O mundo ficou menos colorido, sinto a saudade das cores, dos odores, dos sabores. Das minhas camadas, do meu casaco amarelo e de meus brincos. Talvez a maior falta de todas seja de mim mesma.

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