Os três cones


Ana Helena Reis


Começa dezembro, hora de despertar depois do longo período de hibernação. Encolhida, à espera do renascimento, ela se prepara para o ritual, que se repete há muitos anos. Os membros vão sendo, gradativamente, libertados. Destorcidos, eles se esticam e espreguiçam para poder retornar à forma original e assumir sua posição no cone, cada cone ganhando vida a seu tempo, cada tempo com um significado.
O cone inferior, que tem os galhos maiores, se abre como grandes tentáculos que abrigam as raízes da família. Ele lembra os patriarcas que, nas cabeceiras da mesa, reuniam o clã para o grande almoço. O peru correndo no quintal em rodopio antes de ir para a panela, aquele cheiro de ave escaldada que vinha da cozinha, os abraços trocados pelos adultos, a folia das crianças menores almoçando antes na copa e a longa conversa ao café, que durava até quase o anoitecer, são flashes das celebrações na casa matriz. Foi ali que tudo começou, que ela ganhou sua força, capaz de sustentar os cones que se sucederam. Se enfeita com bolas douradas para marcar a presença do divino, em número tão grande quanto o número de anos em que esse ritual do almoço se repetiu.
É a vez de despertar seu segundo cone, de galhos mais curtos, porém densos, encorpados. Aos poucos vai se desvencilhando das amarras para dar expansão aos quatro troncos que o compõem. Recordações de um período de fertilidade, da família multiplicada, formação da descendência. Os galhos se enroscam e fazem recordar o alvoroço da troca de presentes, as brincadeiras de amigo secreto, o perfume doce do tender caramelado que vinha da cozinha, os bolos de nozes para os adultos e de chocolate com brigadeiro para as crianças. Esse é o pedaço mais comprido, que acompanhou as passagens para a adolescência, a transição para a juventude, a formação dos casais e da terceira geração. Ocasião de se enfeitar com bolas vermelhas entrelaçadas por fileiras de contas, numa guirlanda de amor e proteção.
Chega o momento de abrir o terceiro cone, o mais afunilado, mais curto e com galhos espaçados. Já frágil, ele repousa com cuidado no último encaixe. São membros finos, encurvados para o alto como em uma prece. Unidos, porém, abrigam no centro a ponteira que conecta os três cones, fechando um ciclo de vida. Dias de hoje, da mesa que a cada ano consegue reunir alguns, não todos, do abraço virtual, de abrir presentes que chegaram pelo correio. Tempo de costurar as lembranças com o fio de velas piscantes, luz de quem está chegando ao fim da jornada.
Fechado o círculo, renasce o pinheiro sagrado, o cume iluminado pelo Estrela de Natal. A magia está completa. Estejam onde estiverem aqueles que, algum dia, celebraram ao pé dessa árvore, conseguirão sentir o brilho de sua luz.

deixe um recado | voltar

E-mail:

Pageviews desde agosto de 2020:

Site desenvolvido pela Plataforma Online de Formação de Escritores