O homem do chapeu-coco



O homem caminhava lentamente de cabeça baixa, indiferente à chuva que começava a engrossar. Fechou sua capa e puxou a aba do seu chapéu-coco sobre os olhos. A cidade àquela hora parecia morta e o silêncio só era cortado pelo barulho dos pingos d’água na calçada formando poças aqui e ali. Nenhum ruído da cidade grande, nem os gritos dos cocheiros nem o murmurinho dos feirantes. As luzes dos lampiões da Baker Street refletidas nos paralelepípedos molhados deixavam a rua brilhante. Ele chutou com força a caixa de correio no caminho e levou as mãos ao rosto sacudindo os ombros convulsivamente. Uma luz se acendeu na janela do prédio ao lado e um olho assustado surgiu por trás da cortina. Ele colocou as mãos no bolso da capa e continuou, de cabeça baixa, até o número 221B.
Foi quando levantou a cabeça para abrir a porta da sua casa que ele percebeu aquele vulto há cinco passos de distância. Nenhum sinal de surpresa ou sobressalto. Ele simplesmente virou-se lentamente abaixando as mãos e olhou nos olhos frios da figura alta e magra que abria sua capa preta mostrando o cano da pistola nas suas mãos.
- Enfim! É hora de o grande Sherlock Holmes encarar seu destino e pagar pelos seus erros. Não posso dizer que estou triste por ser pelas minhas mãos, muito justo. Afinal eu sou o maior prejudicado. Esperei muito por esse momento. Pareceu uma eternidade.
- Moriarty.
O homem do chapéu-coco ficou imóvel e sua voz saiu metálica e distante, como se só o corpo dele estivesse ali. Seus olhar parecia atravessar o vulto, a chuva e a noite escura. Olhava para onde?
- Eu sabia que você viria atrás de mim. Perdi o controle, eu não queria...
- Qual foi seu maior pecado, Sherlock? Você já pensou nisso? Quantos você deixou morrer porque estava inútil, sob uso de substâncias alucinógenas proibidas? Quantos você enganou e manipulou para se aproximar de mim, eu, simples mortal, sua obsessão? Quantas pessoas você iludiu e deixou na miséria porque pagaram por seus caros e pretensos serviços?
Enquanto falava, a figura da capa preta se movimentava em torno do homem do chapéu-coco, sem baixar sua pistola que apontava para o peito do seu inimigo. Esse o acompanhava no mesmo ritmo, girando o corpo por infindáveis segundos. Um corvo pousado no alto da soleira da porta de entrada assistia aquele balé silencioso e macabro.
- Ou talvez seu maior pecado tenha sido o de hoje? Odioso e ignóbil pecado, esse vai te acompanhar até o inferno, para onde você vai logo. Ela era só uma criança, Sherlock! Você destruiu sua vida, todos os seus sonhos, todas suas esperanças! E o mundo todo vai saber o doente farsante que você sempre foi. Disso me encarrego eu, também.
- Eu não queria, meu Deus!
Essas foram as últimas palavras do homem do chapéu-coco. Naquele momento, ouviu-se um tiro seco, um grito abafado e o bater das asas de um corvo fugindo assustado do local. Ele não esboçou nenhuma reação, parecia estar esperando, ou melhor, parecia estar desejando aquilo. Será que por isso apontava insistentemente seu peito para a pistola?
Seu corpo caiu com um baque seco no meio fio, cabeça jogada nos paralelepípedos da Baker Street, uma poça de sangue na sua capa Mackintosh, um fio de sangue escorrendo por sua boca inexpressiva. O vulto negro sumiu na esquina mais próxima. Ninguém assomou às janelas, ninguém saiu à rua para ver o fim do homem do chapéu-coco. Chovia.

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Rachel Baccarini

E-mail: rachelbaccarini@hotmail.com

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