Amor Incondicional

Ana Helena Reis

Amor Incondicional

Ana Helena Reis

- Meu bem, telefone para você. É da creche... acho que estamos com problemas lá com o Leozinho.
Já aflita, a esposa responde: - Ai meu Deus, o que pode ser? Bem, me passa aqui o telefone.

- Alô, quem fala, é a Glorinha? Oi Glorinha, o que houve?
Ouvindo o relato da Glorinha, a mão começa a coçar de raiva. -Levou uma mordida? De quem? Da Biba? Quase arrancou a orelha dele? Não acreditooooo!!! Isso é um absurdo!

E foi aí que a resposta da Glorinha a fez sair do sério, e ela retrucou:
- Achou normal? Seria bom convidar a Biba para vir aqui em casa socializar, mostrar que não guardo rancor? Mas o que é isso? Estou sem fala!!!
- E nem pensar chamar essa louca aqui para casa, sinto muito, mas não dá para gostar dela. Além de agressiva é feia, tem mau hálito, vive despenteada... vou já buscar o Leozinho e ver o tamanho do estrago. Amanhã quando for deixa-lo aí conversamos.

Glorinha não deixou por menos e retrucou subindo o tom, o que a deixou ainda mais enfurecida:
- Isso demonstra que você não tem o perfil de mãe dessa nossa comunidade, infelizmente.

Tomou um gole d´água trazido pelo marido que, a essa altura, já tentava cortar a ligação para não piorar a situação. Acatou o que ele sugeria e tentou se acalmar, encerrando a conversa num tom mais conciliador - Ok!, vou conversar com o André, ver o que fazemos diante dessa situação.

Depois de muito debate, resolveu procurar um aconselhamento especializado. Gostava da creche, queria que o Leozinho continuasse a frequentar, mas ouvir que não estavam de acordo com o perfil dos outros pais, o que tinha de errado? Tá certo que ela falou o que não devia, mas...

Acharam melhor ir juntos e se dispuseram a ser absolutamente sinceros nas respostas. Freda os recebeu com um sorriso e perguntou por que motivo a procuraram. Relataram o entrevero na creche, e que gostariam de entender o por quê deles, afinal, serem considerados diferentes dos outros pais. Acreditavam que qualquer um, em seu lugar, teria tido a mesma reação.
Freda pensou um pouco e disse que, para facilitar a conversa, gostaria que eles respondessem a um pequeno questionário.

As perguntas eram diretas e com somente duas alternativas de resposta: sim ou não. Fácil, perguntas básicas, não tiveram dificuldade em responder.

Completado o questionário, Freda explicou que a partir dessa investigação inicial conseguiria saber como conduzir um bom aconselhamento ao casal... e passou à leitura, em silencio, das respostas:
- Costumam convidar para sua casa, tomar conta dos coleguinhas quando os pais têm que sair? NÃO
- Se importam se eles subirem no sofá da sala com os pés sujos quando estão na sua casa? SIM
- Limpam o cocô dos amiguinhos se houver necessidade? NÃO
- Abraçam e beijam entusiasmados quando eles se aproximam, mesmo que estejam babados? NÃO
- Dividem sua colherada de comida com eles durante as refeições? NÃO
- Se importam se eles quebram alguma coisa na sua casa? SIM
- Adoram saber de todos os detalhes da vida dos coleguinhas, seus gostos, hábitos, gracinhas..? NÃO

Houve um momento de silêncio constrangedor. Freda tentou não mudar a expressão do rosto, se aprumou na cadeira e, sem rodeios, iniciou seu “diagnóstico”.
- Creio que a mãe, aliás o casal, está com um sério problema de conduta, que afeta sua relação com o mundo ao qual Leozinho pertence.
E foi direto ao ponto: - As respostas que colocaram não dão margem a dúvidas: vocês não conseguem amar incondicionalmente o próximo, independente de raça, cor, gênero, características físicas ou psicológicas. Isso revela um preconceito, uma intolerância que não é própria dos pais com quem convivem.

E complementou: - A questão é que vocês não nutrem aquele amor profundo pelo próximo, que faz com que sejam capazes de acolher a todos como se fossem seus filhos. Sua reação, portanto, à agressão feita pela Biba não é um fato isolado, mas um problema maior, de índole, quase existencial e muito difícil de corrigir.

- Em suma, vocês não são Pet Lovers e sim donos de cães. E para isso não há aconselhamento possível.

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