Roma


Rachel Baccarini

Heloisa e Márcia chegaram ao antigo hotel no centro de Roma, próximo a Piazza de Spagna, antes de escurecer. Heloisa empurrou a porta de madeira de mais de dois dedos de espessura soltando um longo ai. Caminharam arrastando suas malas pelo corredor estreito e escuro até pararem de frente para um elevador que parecia ter mais de cem anos de idade.

- Não cabemos nós duas e mais as malas aí dentro, Márcia. Impossível! Nem sabia que ainda existiam elevadores como esse. Olha só, portas de grade.

- Não é grade, Heloisa! Pelo amor de Deus! Portas sanfonadas. Nós estamos em Roma, mais de 2000 anos, lembra? Entra logo, vai você primeiro. Rápido, por favor! Tô cansada.

- Tá bom, tá bom. Você reclama demais, nossa!

As duas amigas conseguiram manejar malas e elevador e chegaram a um apartamento novo e aconchegante, destoando do prédio centenário.

- Mal posso esperar pra ir até a praça e tirar aquela foto, igual a de quarenta anos atrás quando viajei pela Europa de mochila e...

- Para! Pode parar! Que droga. Já ouvi essa estória vinte vezes, blá, blá, blá....

- Isso porque não foi com você, Márcia. Inveja, isso. Muito feio!

As duas iniciaram um bate boca agitado por alguns minutos até que concordaram em sair do hotel e passear em Roma. O fim de tarde estava nublado, o que não diminuía nem um pouco a beleza da cidade. Muitos turistas caminhavam para lá e para cá com celulares e sacolas de compras nas mãos. As amigas pareciam radiantes e no caminho para a Piazza de Spagna também entraram em várias lojas.

Chegaram à praça, Heloisa dava pulinhos e era só sorrisos. Ela sentou-se exatamente no mesmo lugar na mureta da fonte e pediu para Márcia tirar a foto.




Piazza di Spagna 1979
- Tem que ficar igual a foto antiga! Na mesma posição.

- Tá bom. Aí tá ótimo. Vira um pouco para cá, cruza as pernas, vira um pouco mais...levanta o rosto... olha o vagabundo! Carabinieri! Socorro! Aiuto!!

Uma correria geral aconteceu na mesma hora. Heloisa virou todo o corpo para ver o que acontecia e caiu de cara na fonte. Dois homens começaram a correr atrás de um terceiro que, carregando uma bolsa feminina e várias sacolas de compras, desembestou por uma das estreitas ruas que davam na praça. Os turistas pegavam suas jaquetas, fatias de pizzas e cornetos e corriam em direções opostas trombando uns nos outros. Um dos policiais colocou um apito na boca e soltou o ar com força num agudo ensurdecedor. A guarda antiterrorismo, em prontidão diariamente na praça, preparou seus fuzis enormes num movimento coordenado impressionante.

- Isso tudo por causa de um ladrãozinho? Acabou minha foto hoje. Tô ensopada, Márcia!

- Ele levou a bolsa da moça, Heloisa! Você se machucou? Vamos voltar para o hotel, amanhã tentamos de novo.

- Não, sabe de uma coisa? Quarenta anos é muita coisa? Não quero mais foto nenhuma. O mundo não é mais o mesmo.

Caminharam caladas pela praça em direção ao hotel enquanto os policiais prendiam o incauto larápio e os turistas voltavam às suas atividades de sempre. As nuvens haviam engrossado e pareciam prestes a cair sobre a cidade eterna.







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Rachel Baccarini

E-mail: rachelbaccarini@hotmail.com

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