O dia da apresentação


Ana Helena Reis

Decidiu apresenta-lo à família – afinal já estavam juntos há algum tempo, tinham uma convivência diária, só restava a aceitação familiar.

Receosa da reação geral, e já imaginando que ele não cairia no gosto geral pois conhecia bem o nível de exigência de seus familiares, foi dando algumas pistas, na tentativa de amenizar o impacto do primeiro contato. Sabia que suas características poderiam causar uma rejeição imediata - fora criada em uma tradicional família mineira, sem espaço para a quebra de alguns preceitos, que certamente ele iria desafiar.

Começou comentando que estava num momento de transição – o que todos já sabiam – e que, nessa mudança de vida, procurava alternativas mais compatíveis com seu estilo de vida.

Uns dias depois, comentou que o importante nas suas escolhas atuais não era a aparência, mas a essência.
E para ser um pouco mais explicita, tendo em vista uma questão de cor e robustez envolvidas, comentou "en passant" que tipos muito queimados e encorpados já não a atraiam mais.

Achou que o recado estava dado, os espíritos devidamente preparados.

Fez a lista de quem achava imprescindível estar, e os convidou para o almoço de domingo em casa. A tia mais nova, que apesar de ser a caçula é a mais conservadora para esse tipo de assunto, era o seu grande temor - se não gostasse era capaz de fazer um comentário desagradável; mas o marido é bem aberto, iria aceitar ou pelo menos disfarçar se não gostasse, então tudo bem.

A prima querida, educadíssima, seria o contraponto, pois certamente iria sorrir e fingir que estava tudo bem mesmo que odiasse – mas o marido é muito desligado, seria capaz de confundir tudo e achar que ele tinha algum problema genético, por isso sua aparência ... perigo à vista.

Sua esperança era o sobrinho, com quem tinha uma relação muito próxima - certamente não iria coloca-la numa situação constrangedora. Faria de tudo para elogiar, dizer que ficou feliz com sua opção, etc... era essencial que ele viesse.

Por via das dúvidas, convidou também sua melhor amiga – ela já estava sabendo da opção atual e seria capaz de segurar as pontas e dar um suporte, se a coisa desandasse.
Decidiu, então, que a apresentação seria somente no final do almoço. Ele entraria sutilmente depois da sobremesa, como é de bom tom.

Ainda ansiosa, se certificou de ter dado bastante vinho para a galera, de forma a torna-los menos críticos; e já deixou tudo preparado para a entrada triunfal... ou desastrosa.

Terminados então a entrada, o prato principal e a sobremesa, chegou o momento fatídico. Entrou na sala e apresentou o café orgânico fraquinho e clarinho que incorporara ao seu cotidiano.

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