Aquarela


Ana Helena Reis

Com um simples papel eu desenho um sol amarelo... pura poesia. Mal sabia Toquinho que o amarelo é o mês da prevenção de acidentes de trânsito. Se soubesse, teria cantado e com cinco ou seis traços eu posso fazer uma faixa de pedestres.
A verdade é que não sei por que motivo existe quase que um fetiche por associar datas comemorativas a causas, grupos sociais, e isso acontece inclusive com os meses do ano.

Janeiro é associado ao branco: Mente sã, corpo são. Já fevereiro é um mês alaranjado: mês das causas engajadas, um recado bem dado para quem estava curtindo o carnaval: Cai na real, ô sem noção!

Continuando na linha de associação, dois meses fazem um contraponto muito atual, se pensarmos no tema da identidade de gênero: Outubro e Novembro.

Outubro é o já consagrado mês Rosa, que por uma campanha iniciada nos Estados Unidos na década de 1990 é dedicado à conscientização sobre o câncer de mama. Seu símbolo é um laço, e a mídia adora explorar comercialmente esse mês, que afeta um símbolo importante da feminilidade.

E Novembro? Novembro é Azul e chega para os homens quebrarem seus preconceitos históricos sobre a necessidade de prevenção e combate ao câncer de próstata. Escolhe como símbolo o bigode, como uma forma de acalmar aqueles mais reticentes sobre a possibilidade de perda de sua aclamada virilidade pelo simples fato de fazerem um exame de toque retal – o que aliás, parece que nem é mais necessário se for feito um PSA (Prostate-Specific Antigens) através de exame de sangue.

Agora tudo ficou claro. Homens usam azul, mulheres rosa, já dizia nossa ministra da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, a luminar Damares.
Por isso mesmo, Homem com H (como cantou Nei Matogrosso), é um macho bigodudo que honra a cor azul, associada à autoconfiança, que não abaixa a cabeça e muito menos as calças. Já a mulher – ah! – essa é toda rosa, romântica, ingênua, pura, um ser quase etéreo, que aceita sem contestar uma mamografia mesmo que ela transforme seus seios em um pastel prensado.

Então está decidido – o rosa e azul determinam um código de conduta de gênero e, portanto, podemos concluir que a culpa do preconceito é das próprias cores. Simples assim... ou não? Quando e como esse preconceito cromático começou?

Descobri que os tons rosa e azul só começaram a ser associados a uma distinção de gênero no início do século 20 e pasmem: um artigo de 1918 da Earnshaw’s Infants’ Department dizia que rosa era para meninos e azul para meninas. Isso porque o rosa seria uma cor mais forte e decidida; já o azul, mais delicado e amável.

Pois é... Só mudou a paleta de cores na aquarela: o machismo implícito à rotulagem de cores já estava lá, intacto.
Vamos então lançar uma campanha roxa misturando o rosa com o azul e eleger o dia das bruxas – 31 de outubro – como o dia da luta contra o câncer dos preconceitos?

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